segunda-feira, 17 de novembro de 2008

As Declinações

Quando o amigo perguntou-lhe se gostaria de fazer um curso de espanhol, não respondeu. Ficou a divagar. Fizera, quando jovem, o IBEU e até hoje praticava constantemente o inglês. Conhecia um pouco de francês, resquícios do antigo curso Ginasial quando era obrigatório estudar, além da língua pátria, Inglês, Francês e Latim. Ah, o Latim! Como tivera dificuldades com o mesmo. Guardava, em sua memória, desde aquela época, as famosas declinações que tanto o fizeram sofrer: nominativo(homo); genitivo(hominis); dativo(homini); acusativo(hominem); e, ablativo(homine). Some-se a isso um professor extremamente exigente- caxias - que estava sempre acitar uma frase de Séneca - Non scholae sed vitae discimus ( Aprendemos não para a escola, mas para a vida) - e não deixava ninguém esquecer que ele fora tutor de Nero. Por que eu tenho que saber isso? Questionava-se sempre sobre a importância de Séneca e Nero na sua vida.
_ E então o que você me diz?
Voltou ao presente.
_ Ah, sim. O curso de Espanhol? Não sei. Sinceramente não sei.
Na realidade o Espanhol nunca lhe despertara o menor interesse. Talvez porque sempre considerara o Espanhol um Português mal falado ou talvez - o mais provável - por causa de
"los hermanos portenhos". Não que tivesse algo contra, mas nunca aceitara nem entendera a impáfia dos "manitos". Mesmo depois de encontrar, na Internet,uma definição bem coerente sobre eles: "portenhos são italianos que falam castelhano, pensam que são ingleses e gostariam de ser franceses".
_ Por que a dúvida? Perguntou o amigo
_ Francamente eu jamais pensei em fazer um curso de espanhol. Nunca me apeteceu. A semelhança com o Português pode ser o motivo.
Não estava sendo sincero.
_ Por que esse interesse repentino pelo Espanhol? Ele perguntou ao amigo.
_ A empresa que trabalho é espanhola e tá oferecendo o curso aos funcionários. Trata-se de intercâmbio cultural com a filial da Catalunha. No meu caso , devido ao cargo que ocupo,posso convidar um amigo e considerando que você está sempre pesquisando, estudando, escrevendo e
buscando coisas novas achei ser a pessoa ideal.
_ Sei. Quer dizer, não sei.
_ Como não sei? Você só tem a ganhar. Veja as vantagens: o horário é flexível, há distribuição de material audio-visual, diploma reconhecido pela Universidade de Madrid e, para completar, é tudo zero oitocentos.
_ Interessante. Pode ser pela manhã?
_ Não. As aulas só podem ser à noite.
_ E a novela das oito?
Na verdade ele detestava novelas. Estava apenas tentando encontrar uma maneira de dizer não sem desagradar o amigo.
_ Pode ser apenas uma vez por semana. Não vai atrapalhar sua novela. Pense no diploma. Ele vai enriquecer ainda mais seu vasto currículo.
_ Nessas alturas do campeonato um diploma a mais ou a menos já não tem tanta importância para o meu currículo, a não ser que São Pedro, Gabriel e Lúcifer - temos que considerar todas as possibilidades - estejam exigindo diploma de espanhol para os casos de estadia permanente.
_ Meu amigo você está sendo derrotista. Já pensou em ler grandes mestres da língua espanhola no seu texto original? Nada de erros linguísticos ou arranjos grosseiros na tradução, como normalmente acontece. E então?
Estava amarrado para a onça comer. Fez uma última tentativa.
_ Quanto tempo?
_ Depende do número de aulas semanais. Se você fizer só uma por semana, conclui o curso em quatro anos.
_ Quatro anos? E se durante esse período o Alzheimer resolve me visitar? Tudo em vão. De nada valeu o esforço. Sei não. Acho que não tem muito fundamento e olha que eu bem que gostaria de entender melhor as letras das músicas de Mercedes Sosa.
_ Pois então? Posso apanhar a sua ficha de inscrição? Tá bem ali no carro, é rapidinho. O sujeito que vai ministrar o curso é uma sumidade. Fez doutorado na Universidade de Barcelona. Ensina em duas universidades brasileiras, e vive viajando pelo mundo todo dando palestras e participando de simpósios e congressos.
_ Quanto a isso eu não tenho a menor dúvida. O meu problema é em relação ao tempo que no meu caso, por uma questão de bom senso, acho que já não disponho de muita coisa.
_ O que é isso meu amigo? Não estou-lhe conhecendo. Você ainda é uma pessoa nova e qutro anos passam rapidamente.
_ Eu agradeço por ter lembrado do meu nome e pela força que você esta-me dando. É verdade que quatro anos passam rápido,mas acho que vou deixar para aprender espanhol mais tarde com Cervantes, Neruda, Dali, Simon Bolivar, Picasso e outros mais quando encontrá-los em outra dimensão.

sábado, 20 de setembro de 2008

Dialetos II

_ Dialetos, outra vez? Disse ela.
_ Pois é, eu pensei em...
_ Nós falamos sobre isso não faz tanto tempo.
_ Pois é, eu só acho que...
_ Você acha mesmo necessário voltarmos a falar nesse assunto?
_ Pois é, caso você não queira...
_ Por mim o assunto tá encerrado.
_ Pois é, se você não quer...
_ Pois é, pois é e pois é! Não, pra mim basta. Não estou a fim de falar sobre neologismo, erros de concordância, modismo linguístico, dialetos, nada, nada mesmo!
Dessa forma ela deu por encerrado o diálogo entre eles. Suas chances de discutir a linguagem utilizada na internet foram para o brejo junto com a vc. Não, essa expressão(?) não pode. Por quê? Porque vc é você e não, vaca. Pois é, vc (agora é você mesmo) está percebendo que a forma pela qual os internautas se comunicam está cada vez mais complicada, né? Além das abreviações há também uma infinidade de figurinhas (aplicativos) que acenam, pulam, riem, soltam beijos, caminham, pedalam, deitam e rolam, literalmente. A tendência é ficar cada dia mais difícil a troca de ideias entre os usuários comuns da internet e os internautas. Se faz necessário, ungentemente, a publicação de um dicionário contendo as abreviações legais - como ocorria com os antigos telegramas: pt(ponto); vg(vírgula) - mais utilizadas por esses indivíduos, a fim de possibilitar, sem maiores incidentes, a comunicação entre eles e os leigos. É importante que o dicionário venha com um anexo das famigeradas figurinhas.
A edição deve ser, preferencialmente, de bolso , devido o preço e para facilitar o manuseio do mesmo, uma vez que o indivíduo terá que conduzí-lo por toda parte.
O sujeito ao receber qualquer mensagem não terá dificuldades. Mete a mão no bolso e retira o
" Nv Dcnr da Lg Prtgs p Intnt c Figs Anxs ", publicado pela Ediouro e adeus complicaçõs. Será uma maravilha. Vai facilitar a vida de grande parte da população. Será um novo best-seller.
Continuou pensando no assunto e lembrou de uma mensagem recebida de um amigo que noticiava a doença de um colega o qual sofrera uma cirurgia. "...ele (boneco andando) +/- mas tá
(outro boneco rindo e levantando os dedos) magro..."
Pois é ( de novo?), você entendeu? Sinceramente, é tão ou mais complicado do que as saudosas cartas enigmáticas, que o indivíduo passava horas ou dias para decifrá-las. Para piorar as coisas, algumas pessoas exageram tanto nas abreviações quanto nas figuras.
Outro detalhe importante é que as abreviações são feitas, muitas vezes, a critério de quem escreve. Assim, uma mesma palavra pode ser abreviada de formas diferentes dificultando ainda mais a compreensão da mensagem.
" Como seria bom ter alguém - pensou - com quem discutir esse assunto". Sua esposa já dormia há bastante tempo. Estava sem sono. Computador? A idéia era tentadora. Entretanto, a possibilidade de receber uma mensagem cifrada não lhe atraía pois talvez tivesse que recorrer a ABIN para decodificá-la. Havia outra possibilidade, seus sonhos serem transformados em pesadelos pelas indesejáveis figurinhas do MSN.Pensando bem o melhor era tentar dormir. O quê? Ah! A tradução da mensagem. Ia esquecendo. "...ele passa mais ou menos mas tá bem magro..." .Boa noite!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Lei do Jaque

_ Meu bem, o que que está havendo? Ela perguntou carinhosamente passando a mão nos pelos do tórax dele.
Encontravam-se num motel seminus e ela não conseguia enteder o comportamento dele. Estava estranho, capiongo, pra baixo - em todos os sentidos. Ele permaneceu calado, pensativo, distante. Passado algum tempo, falou:
_ É o nosso relacionamento.
_ O que que há?
_ Não é certo.
_ Por quê?
_ Meu pai me chamou a atenção sobre nosso relacionamento. Com base na lei...
Ela não o deixou concluir.
_ Por que isso agora, nesse momento? De onde seu pai tirou essa idéia se nem me conhece?
_ Meu pai lhe conhece sim. Aliás, vocês se conhecem muito bem. Ontem, quando foi me buscar na faculdade ele lhe viu.
_ Eu também vi ele e não o conheço. Até estranhei o fato dele ser branco e você moreno. Deve ter puxado a sua mãe.
_ Não é nada disso. Você viu o motorista. Meu pai estava no banco de trás. É moreno como eu.
Ele lhe viu , estranhou e não gostou do seu cabelo louro.
_ Não gostou do meu cabelo, e daí? O que é que ele tem contra as louras? Isso é racismo e dá cadeia.
_ Não tem nada de racismo.
_ Então, qual é o problema? Por que o nosso relacionamento não é possível? E nossos planos? E meus sentimentos?
_ Calma. Primeiro não fale nos seus sentimentos. Na realidade são nossos sentimentos. Nossos planos vão por água abaixo porque nosso relacionamento é incestuoso.
_ Como incestuoso?
_ Acontece que meu pai atual, antes de casar com minha mãe, foi casado com a sua. Nós somos irmãos.
_ Quer dizer que seu pai é...
_ Meu padrasto. Ele é meu padrasto e seu pai legítimo. Por isso não gostou da cor do seu cabelo oxigenado. Apesar de não ser meu pai biológico, não concorda com o nosso relacionamento. Ele é muito conservador. Disse que a Igreja não permite nosso relacionamento nem nossa união já que somos irmãos. Disse ainda que você não pode ser nora dele já que é sua filha e que sua mãe não pode ser minha sogra já que é ex-esposa dele. Dorinha, minha irmã, não pode ser sua cunhada já que também é sua irmã. E por último, já que somos irmãos, nossos filhos...
_ Pare. Por favor pare com essa genalogia esdrúxula e incestuosa. E a tal lei que você falou?
_ Lei do Jaque.
_ Lei do Jack. A pronúncia certa é "jeque". Lei do Jack.
_ Não, é lei do Jaque mesmo.
_ Como assim?
_ Quando meu pai quer pedir ou explicar alguma coisa a alguém, sempre usa a lei do " já que". Por exemplo, durante as refeições quando alguém se levanta da mesa ele diz: " Já que você se levantou..." ou " Já que você terminou..." e pede algo. Entendeu?
_ Entendi. Entendi muito bem.
Levantou-se deixando-o na cama e começou a vestir-se.
_ O que que você tá fazendo?
Resolveu pagar na mesma moeda.
_ Já que somos irmãos, nosso relacionamento é impossível, certo?
_ Certo.
_ Já que nosso relacionamento é impossível não é correto ficarmos pelados num motel se não temos nada para fazer aqui.
Acabaram o relacionamento. No início foi muito difícil. Ela sofreu que só couro de pisar fumo. Comeu a pão que o diabo amassou mas não entregou os pontos. Como o tempo é a cura de todos os males, acabou entendendo e aceitando os fatos. Tanto aceitou que passou a utilizar, vez por outra a lei do " já que". Sem ter nem porque, lá estava ela: " já que isso..." ou " já que aquilo..."
Algum tempo depois conheceu, numa balada, um cara que era uma xerox ambulante do seu ex.
Ex o que? Namorado? Irmão? Não interessa. Tentou evitá-lo mas não conseguiu. "Será outro irmão? Creio que não".
Começaram a sair juntos. Após uns seis meses, na véspera de um feriado prolongado, ele ligou convidando-a para ir ao sítio dos pais.
_ Vai ser legal. Só a gente, coisa de família. Algo bem íntimo. Assim nos conhecemos melhor. Não quero forçar a barra. Só se você tiver a fim.
Ela pensou um pouco, lembrou do episódio do motel e respondeu:
_ Claro que quero ir. Mas antes posso fazer uma pergunta indiscreta?
_ Pode sim.
_ Seus pais já foram divorciados?
_ Já. Mas o que isso tem a ver com a viagem?
_ Nada não. Depois eu explico.
_ E aí, tamos certos?
_ Estamos. Mas, já que vamos passar o fim de semana juntos, algo bem íntimo como você mesmo disse, quero que consiga, antes da viagem, duas cópias autenticadas: uma de seu Registro de Nascimento e a outra da Certidão de Casamento dos seus pais!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Saara

Estava na casa de um colega do banco que lhe convidara para conhecer a esposa, ver o futebol e tomar umas cervejas.
_ Saara, cheguei querida. Trouxe um colega comigo. Veio ver o jogo.
Não houve resposta. Voltou a chamá-la, falando um pouco mais alto.
_ Saara, cadê você? Cheguei amor.
Dessa vez a resposta veio sob a forma de uma suave melodia. Uma voz linda respondeu delicadamente.
_ Um instante querido. Estou-me trocando. Desço num segundo.
A voz era envolvente, sedutora, gostosa de ouvir. Se tivessem sido contemporâneas, Íris Lettieri jamais teria feito tanto sucesso com seus famosos anúncios: " Atenção senhores passageiros com destino...". Ficou aguardando-a ansiosamente. " Se o corpo fizer jus à voz - pensou com todo respeito - vou ter uma linda companhia para ver o jogo ". Enquanto esperavam ele disse:
_ Carmelo, por que você arrasta o " a " quando diz o nome de sua esposa?
_ Com arrasta o " a "?
_ Você disse duas vezes Saaara.
_ Não. Eu disse Saara.
_ Como é o nome dela: Sara ou Saara?
_ Maria das Dores.
_ Saara é apelido?
_ É sim.
_ Ela não fica chateada?
_ Não, pelo contrário. Ela gosta porque sabe que é uma forma carinhosa de tratá-la.
_ Por que Saara, especificamente?
_ Ela tá descendo depois eu conto.
Quando a mulher entrou na sala ele não conseguiu disfarçar a surpresa. Aguardava uma mulher bonita. Ela, entretanto, tinha uma aparência inesperada, fora do comum. Era mesmo de chamar a atenção. Qualquer vivente observando-a pela primeira vez ficava impressionado.
Levantaram-se. Ela aproximou-se e beijou Carmelo. Ele disse:
_ Saara, esse é Esmerindo um colega do banco que veio ver o jogo com a gente.
Quando ela toucou-lhe a mão, sentiu uma sensação estranha como se tivesse sido atingido por um choque elétrico que se propagou através da medula até atingir o dedão do pé. Ficou, por alguns instantes, parado, mudo, eletrocutado. Por fim falou:
_ Oi, tudo bem? Muito prazer.
_ O prazer é meu. Seja bem vindo, fique a vontade.
Sentiu-se melhor quando ela soltou-lhe a mão. Sentaram-se e ele ficou observando-a de soslaio. Pensando bem, o apelido Saara caía-lhe como uma luva. Ela era magérrima, esquelética, seca, literalmente seca. Seu colega fora muito critérioso na escolha do apelido. A mulher era extremamente magra, anoréxica, caquética! A anorexia conferia-lhe uma aparência doentia. Pensou imediatamente em Bangla-Desh e na Biafra. Lembrou, sem nenhuma maldade, a piada do indivíduo que era tão magro que o pijama só tinha uma lista.
O jogo começou e prendeu-lhe a atenção. Passados alguns minutos, pediram liçença e foram à cozinha. Ficou sozinho a fazer conjecturas. " Como é possível alguém sentir-se bem num corpo assim? Será modismo? Não podia acreditar. Doença, só pode ser doença. AIDS? Não , claro que não. Será por causa das Dores? Pode ser, pode ser. Como alguém pode conviver com uma pessoa com esse aspecto? Será que ela já era assim quando casaram? Carmelo é um sujeito bem parecido, culto, educado podia ter conseguido coisa melhor. Deve ter sido- se é que existe - feitiço, mandinga, despacho ou qualqer coisa assim. Caso contrário, esse é um exemplo concreto de que, na realidade, o amor é verdadeiramente cego. Não devem transar. É isso, convivem juntos mas não transam"!
Retornaram. Ele na frente com as cervejas e ela atrás com duas vasilhas de tamanhos diferentes. _ Essa é a de vocês, disse ela colocando a vasilha maior perto deles, e essa é a minha.
Não entendeu o porque da separação uma vez que ambas tinham o mesmo conteúdo: pipocas. Como advinhando seus pensamentos, complementou:
_ A minha não tem manteiga nem sal.
"Eis um dos motivos", disse mentalmente. Ficaram calados vendo o jogo. A medida que foi-se acostumando com a aparência de Saara,notou que era um pouco vesga e tinha orelhas
enormes que só eram percebidas quando ela ajeitava os cabelos. Não estava se sentindo completamente a vontade. Para piorar a situação o jogo estava péssimo, uma verdadeira pelada.
Resolveu ir embora embora antes do final. Deu graças a Deus quando acabou o primeiro tempo. Pediu desculpas e disse que ia aproveitar o intervalo. Despediu-se de Saara - sem tocá-la - e agardeceu a gentileza.
_ As pipocas estão ótimas.
Carmelo foi com ele até a saída. Quando estava entrando no carro, o amigo falou:
_ Vai embora sem saber o porque do apelido da Saara?
_ Não é necessário explicar. Já entendi.
_ Creio que não.
_ Pode ter certeza que sim.
_ Não é o que você tá pensando. O apelido é devido ao gel que ela usa quando fazemos amor. Ela é frígida.
A resposta dele foi automática.
_ E você é tarado!
Entrou no carro e acelerou!

domingo, 7 de setembro de 2008

7 6 1 4

Tem fixação pela tríplice ocorrência de fatos em geral. Não sabe porque, quando nem como tudo começou. Talvez resulte da sua admiração pela constelação das Três Marias*. Desde muito pequeno foi acostumado, pelo pai, a observá-la. Em noites apropriadas ficavam os dois sentados, contemplando o céu, voltados para o poente a procurá-la. Não é uma tarefa difícil nem requer conhecimentos sobre Astronomia. Basta gostar de apreciar estrelas.
Pode também resultar das penas religiosas imputadas pelo padre após a confissão - como sofreu para decorar o Pai Nosso, o Credo e a Salve Rainha -na qual omitia os pecados mais escabrosos. Os ditos "pecados cabeludos". Na realidade nunca fizera uma verdadeira confissão.
_ Só isso meu filho, indagava o padre.
_ Só "seu pade", respondia sempre.
_ Reze três Pai Nosso e três Ave Maria.
Se, entretanto, alguma vez , tivesse contados todos os pecados cometidos, esse número teria se transformado numa dízima periódica infinita.
O mais provável, porém, é que sua fixação pelo número três seja resultante da tortura psicológica sofrida quando criança para provar que era corajoso. Em noites de lua nova, quando era quase impossível enxergar alguma coisa - não havia energia elétrica no lugarejo - , era feito "o teste". A criança afastava-se, o máximo possível da turma, para um local determinado pelo líder do grupo, ficava de costas e falava bem alto para que todos ouvissem:
_ Vim aqui por uma "posta", não saio sem resposta, macaco preto pule nas minhas costas.
Repetia, pausadamente, três vezes sem titubear. Em seguida voltava lentamente. Não valia correr nem apressar o passo. Se não fizesse direito tinha que repetir tudo ou passava a servir de chacota e era expulso da turma. Três coisas que ninguém queria.
Tornou-se um adulto regido(?) pelo número três. Pensou em procurar um especialista, mas desistiu. " Procurar um analista por causa dessa bobagem? Onde já se viu isso? Deixa de viadagem,cara!" Depois dessa repreensão da sua consciência, resolveu acostumar-se ao fato. Assim, o número três passou a servir de base para seu comportamento.. Não o considera um número fatal ou fatídico. Não é seu número de sorte ou azar. É, simplesmente, um número especial.
_ As coisas ocorrem sempre três a três - diz com frequência - principalmente se forem ruins.
Não é dependente do número, mas tem fixação por ele. Ao acordar repete diariamente: uma ligeira prece à Deus,em seguida faz a barba e por último toma banho. Nunca inverte a ordem. Durante o café da manhã, come uma banana, depois alguma outra coisa, fruta na maioria das vezes, e em seguida toma suco. Também não inverte a ordem para não atrapalhar a digestão.
Superstição? Trauma? Transtorno?Talvez os três.
Quando está dirigindo não desvia a atenção para os lados; conserva uma distância regulamentar
do carro à sua frente; soma os números das placas que vai encontrando -gostou muito quando houve a modificação das placas: três letras ao invés de duas - e tira os noves fora. Se o primeiro resultado for três, o dia será ótimo. Se, todavia o resultado for zero, passa o dia apreensivo. Por quê? Porque zero é noves fora de nove, que resulta, de alguma forma de três vezes três.
Naquele dia começou tudo errado. Acordou tarde - não devia ter ido àquele aniversário na noite anterior - e não fez a barba. Comeu, rapidamente, uma fatia de mamão e tomou suco. Saiu de casa apressado para não chegar atrasado no emprego. Saiu nove minutos - 3 x 3 - depois do horário habitual. O trânsito estava um caos! Tudo por causa de nove minutos. Tentou relaxar. Contou os números da primeira placa: 4725, noves fora zero! "Não há de ser nada, apenas uma coincidência. Vou tomar bastante cuidado." Fez uma prece rápida. O trânsito estava ficando insuportável! Buzinas e mais buzinas! Meu Deus pra que isso? Buzinar nada resolve, ao contrário deixa todo mundo mais nervoso. A buzina, segundo seu ponto de vista, só deve ser utilizada em três situações: fazer um alerta, chamar a atenção de alguém e/ou prevenir algo. Parou por causa de um engarrafamento. Olhou as horas. Tinha apenas dez minutos para chegar ao trabalho. Com esse trânsito ia, certamente, chegar atrasado. Nada podia ser feito. Tentou relaxar novamente. Ali parado, percebeu uma "gostosona" que atravessava a rua na faixa contrária. Como bom brasileiro e apreciador do "produto", esqueceu os problemas e o trânsito. O sujeito atrás dele acionou a buzina desesperadamente como se fosse uma sirene. Teve um susto e tirou os pés do acelerador e da embreagem, o carro que estava engatado - um erro grosseiro - foi de encontro a traseira do carro da frente. Um importado, novinho,novinho. Respirou fundo, contou até dez e desceu para ver o estrago causado. A placa chamou-lhe a atenção: 7614, noves fora ZERO!

*As Três Marias são três estrelas, dentre muitas outras, que constituem a constelação de Órion. Elas formam apenas o cinturão do famoso guerreiro grego, que dá nome a citada constelação.

sábado, 30 de agosto de 2008

Dialetos

Primeiro ele resistiu. Fincou pé. Fez figa. Tentou tudo, tudo mesmo, mas terminou entregando os pontos. Ela, finalmente, vencera. Sabe como é que é, ? "Água mole em pedra dura...". Assunto encerrado. Se era para o bem de ambos, felicidade geral e união da família ele ia assistir - embora contrariado - pelo menos uma novela. Sabia que estava traindo a memória do pai. " Homem que assiste novela, chupa dindin e cruza as pernas, não é sapato mas dorme na caixa." Pensando nisso quis voltar atrás. Mas como já havia prometido, empenhado a palavra, não podia desistir. Lembrou novamente do pai - " homem que é homem..." - pediu-lhe perdão e resolveu ir adiante. Desse modo, o inesperado aconteceu. Toda noite, após o telejornal, lá estavam eles assistindo a novela das 8:00 horas, que nunca começa antes das 8:30hs.
Aos poucos foi-se acostumando à nova situação: ficar diante do televisor fingindo assistir a novela. Os primeiros capítulos prederam um pouco sua atenção. Em seguida veio a fase do "besteirol", do enche linguiça, do lenga-lenga. Como o enredo não lhe despertava o menor interesse, concentrou sua atenção nos diálogos. O resultado foi o mesmo: nada de interessante. Mesmo assim continuou assistindo para evitar atritos com a esposa Muitas vezes cochilava.
A primeira vez que ela pediu sua opinião sobre um determinado assunto abordado, ele que havia cochilado e não sabia do que se tratava, respondeu:
_ Desculpe querida mas eu não entendo esse dialeto.
Ela não gostou. Disse que ele era muito elitista, que só queria ser "o tal", que ele devia ser mais simples, "mais povo, mais gente". Permaneceu calado. Não queria discutir.
Os dias ( na realidade, as noites ) foram passando, os capítulos, idem, o "besteirol" se repetindo e ele torcendo pelo final da novela. Fingia estar gostando para manter "um clima " favorável entre eles. Entretanto,vez por outra, referia-se aos diálogos como dialetos. Durante determinado capítulo, um empresário entrevistando uma candidata a uma vaga na empresa, disse:
_ Minha filha você precisa ter mais autoconfiança em você.
Olharam-se e ele perguntou:
_ Querida isso é ou não é um tipo de dialeto?
Ela não respondeu. As coisas contiuram como eram antes. Uma noite, após a novela, ficaram vendo o futebol. Coisa raríssima, ela ver um jogo. No final, um jogador entrevistado e questionado sobre o resultado desfavorável da partida, respondeu:
_ É isso aí. Quem não faz leva, ? Nois joguemo melhor e perdemo. Eu dei o meu máximo, mas taí o resultado.
Ele pressentiu o que ela ia dizer e antecipou-se.
_ Você tem razão. Isso também é uma forma de dialeto.
_ Eu não falei nada, disse ela.
_ Mas pensou, disse ele.
Calaram-se. Não demorou muito, ela adormeceu . Ele permaneceu acordado pensando no assunto e perdeu o sono. E agora? Chá de camomila? Suco de maracujá? Estava com preguiça de fazer. "O jeito é contar carneirinhos e tentar dormir pois amanhã cedinho tem "batente" à noite tem novela e eu tenho que dar o "meu máximo" para não dormir e desagradar "dona Encrenca"!

sábado, 9 de agosto de 2008

Amigo É Prá Essas Coisas

Quer um conselho? Cuidado quando for escolher sua cara metade. É psicanalista?Pense duas vezes. Se você também for analista tudo bem. Loucos juntos se entendem, mesmo não falando coisa com coisa. Se, entretanto, você é uma pessoa normal - ou parece ser - desista. Por quê? Porque das três uma: ou vocês terão uma relação puramente profissional, paciente-analista, ou serão como dois estranhos ou você vai parar num hospício e, nesse caso, a vaca vai pro brejo. Sinceramente, essa não é minha opinião. Falo em nome de um amigo casado com uma analista. O sujeito está para ter um troço. Outro dia, durante uma partida de gamão, ele abriu o baú.
_ Vou entregar os pontos. Não aguento mais.
_ O que que você não aguenta mais?
_ Viver com a Anabel. O nosso relacionamento vai de mal a pior.
_ A coisa tá tão ruim assim?
_ Tá. O clima, lá em casa, tá péssimo. Discutimos muito. Tudo acaba em briga. Quase não transamos mais.
_ Por que isso tudo?
_ Você não sabe o que é conviver com tantos problemas dos outros. Suportar TDOs, TOCs e DDAs e mais uma infinidade de transtornos alheios, como se já não bastassem os nossos próprios problemas.
_ Seja mais explícito.
_ Anabel tá trazendo os problemas da clínica prá casa. À noite, quando chego em casa, é sempre o mesmo lenga-lenga: o TDO de fulano, o TOC de sicrano, o DA de beltrano. É insuportável.
_ Entendi. Ela quer compartilhar os problemas com você, pede sua opinião e você tira o corpo fora.
_ Não é bem assim. Apenas não suporto mais a mesma história todo dia, além de discordar dela sobre alguns traumas defendidos com unhas e dentes.
_ E daí?
_ Fica brava. Acha que faço troça.
_ E não é verdade?
_ Não. Simplesmente não concordo com alguns desses conceitos modernos para problemas que eu não acho tão complicados. Talvez seja consequências da maneira como fui criado. O Transtorno Desafiador Opositor eu defino como birra, pirraça, teimosia . No meu tempo era corrigido com umas boas palmadas. Hoje isso não é aceitável. Conclusão: os pais e professores terminam num hospício. Uma noite, falando, sobre um caso de Transtorno Obsessivo Compulsivo, ela disse que tinha recebido um paciente que tinha compulsão de lavar as mãos prá tudo. Até prá rezar!
_ Você não tá exagerando?
_ Um pouco. A verdade é que eu disse que daria um prêmio se ela citasse um caso semelhante com um nordestino que mora no interior, passa o dia trabalhando na roça e quando chega em casa só tem água prá beber, quando tem.
_ E ela?
_ Virou uma fera. Disse que eu não ligava, o mínimo, pro seu trabalho.
_ E você?
_ Disse que em muitos casos o problema estava na falta do que fazer. Abri um papelote, preparado previamente, e li: " Trabalho significa apetite, alegria, vivacidade, coração feliz, sono tranquilo, mente serena, paz na alma e júbilo no coração. (...) Saúde e alegria ao homem(...)
_ Ela aceitou?
_ Que nada. Disse que não conhecia o texto. Eu devia ter inventado. Eu quis justificar mostrando um dos seus livros mas ela deu o assunto por encerrado. É sempre assim. Ou encerramos a conversa ou termina em briga. E sexo que é bom, nada. Dá prá aguentar?
_ Há outros transtornos com os quais você não concorda?
_ Falando a verdade eu discordo de quase todos. O Deficit de Atenção (DA) eu digo que é descaso, má vontade, preguiça. Tivemos uma discussão séria quando ela falou sobre um paciente com DA/HI e explicou que tratava-se de um caso especial de Deficit de Atenção predominantemente Hiperativo-Intensivo.
_ Por que a discussão?
_ Eu disse que, na minha opinião, esse sujeito além de preguiçoso era também bagunceiro.
_ Pelo visto vocês tiveram outra noite sem sexo.
_ Claro. Aliás, sexo lá em casa tá igual a bolo com refrigerante em casa de pobre. Só em dia de aniversário. No nosso caso, aniversário de casamento.
_ Não exagere, amigo.
_ Não é exagero. A verdade é que nosso casamento tá degringolando. Recentemente tivemos duas brigas feias.
_ Sou todo ouvidos.
_ A primeira ocorreu há aproximadamente um mês. Antes do jantar ela falou sobre PMD. Brincando, eu perguntei se se tratava de um novo partido político: Partido do Movimento Democrático. Ela levou a sério. Ficou vermelha como um tomate e soltou os cachorros. Depois de uma lista sem fim de qualificativos(?) - eu nem sabia que existia tantos - iniciada por ignorante, explicou que era um caso de Psicose Maníaca-Depressivo. Meu amigo, o tempo fechou. Choveu canivetes.
_ E a outra?
_ Mais ou menos uma semana atrás, quando voltava do trabalho, parei num barzinho prá tomar um drink. A garota que me atendeu era um pecado. Usava um shortinho curto e apertado e uma camiseta sem soutien. Uma verdadeira tentação! Some-se isso ao meu ao "meu jejum". Tomei dois drinks e me mandei prá casa "aceso".
_ ???
_ Quando cheguei em casa ela tava no banho, com a porta do banheiro só encostada. Entrei despido e "armado" e agarrei-a. Ela debateu-se, esperneou e gritou ameaçando ir a Delegacia da Mulher. Brochei. Tenho mais medo dessa "dona" Maria da Penha do que o cão de reza. Meu pingolim, coitado, ficou "traumatizado".
_ Acabou por aí?
_ Nada disso. Mais tarde, refeita, disse que eu estava doente, que tinha tentado estuprá-la e que precisava de um tratamento. Entregou-me em seguida uma relação de analistas e disse:"Não posso tratar do seu caso porque é anti ético o envolvimento entre o paciente e o analista".
_ O que você disse?
_ Disse que ela tinha razão e que eu já havia consultado um especialista e ele tinha dito que ambos precisávamos de tratamento. Seríssima, como sempre, ela perguntou: " Quem é o analista? O que ele falou?" Eu respondi:
_ Você não conhece. É o Dr. Eros Brasileiro. Disse que eu tenho DAAS e você DPT.
_ E aí?
_ Ela franziu o cenho e olhou-me interrogativamente. Encarei-a e, com um sorriso maroto,
concluí: tenho Deficit Acentuado de Atividade Sexual e você Deficit Permanente de Tesão!
_ Qual foi a reação dela?
_ Se não tivesse sido tão rápido, o cinzeiro teria feito um estrago enorme na minha cabeça e não no televisor!
Encerramos o assunto sem concluir a partida de gamão. Nunca mais tive notícias do meu amigo. Espero que as coisa tenham-se acalmado, mas estou sempre disposto a ouví-lo. Afinal, amigo é prá essas coisas! No entanto, agradeço a Deus todos os dias o fato de ter casado com uma nutricionista!

_

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A La Carte

Segunda-feira de manhã quando chegou trabalho, de ressaca - aquele whisky, ontem à noite, devia ser paraguaio - viu, no quadro de avisos, a seguinte nota.

Comunicamos a todos os funcionários que no próximo sábado estaremos realizando um
work shop onde trataremos de assuntos de interesse geral, de acordo com o horário a
abaixo.
- 8:00 horas - Início do work shop
- 9:30hs às 10:00hs - Coffe break
- 12:00 horas - Término do work shop

Terminou a leitura e dirigiu-se à sua sala a pensar ." Quando e onde vamos parar com tanto anglicismo? Por que esse emprego exacerbado de termos estrangeiros? Já não basta o gerundismo?" Entrou, sentou-se e continuou pensando no assunto. Não era contra. Isso sempre aconteceu e continuará ocorrendo. É impossível evitar. O problema é que atualmente a coisa virou mania nacional. Esses termos são usados comumente em todos os setores da sociedade. Fazem parte do dia-a-dia. Estão presentes na educação, no trabalho, no lazer, no convívio familiar, em tudo. Tudo mesmo, como se fosse algo epidêmico. Xenofobismo dirá você. Pode ser, pode ser. Mas, vamos e venhamos, por que uma empresa de médio porte, prestadora de serviços, pouquíssima mão-de-obra especializada tem que chamar uma reunião de work shop? E o intervalo para a merenda de coffe break? Não dá prá aguentar, dá?É um tremendo absurdo!
Começara mal - duplamente - o dia. Ia ter uma segunda-feira difícil. Mais difícil do que de costume. Começou analisar uns relatórios, mas aquilo não lhe saía da mente: show room, fashion week, socialite. Não conseguiu concentrar-se no trabalho. Estava enjoado de tudo e com dor de cabeça. Foi ao banheiro, lavou o rosto e voltou. Além do mal estar fisiólogico, estava até o gogó com tanto americanismo(?) : dog shop, pet shop, cat shop, e haja shop. Se duvidar, esses animais, logo logo estarão latindo e miando em inglês. Outro dia, entretanto, viu uma loja de produtos veterinários com um enorme cão de gesso na frente e na parede o nome: Vira Lata. Achou o máximo, muito criativo, bem brasileiro. Tanto quanto o fila. Entrou e parabenizou o dono. Em contra partida, próximo à sua residência, há uma loja do gênero, cujo nome escrito com enorme letras vermelhas, é Pet Beach. è Impressionante, não? Não acredita? É verdade! Aliás, por onde você anda, o que encontra, compra, ver, ler e conversa, é sempre a mesma coisa. Lá estão eles: os invasores americanos. American aliens -me perdoem mas eu também sou brasileiro - controlando tudo! No futebol, lembra quando o indivíduo dava o drible da vaca? Lembra? Agora é overlap. E a partida de desempate, a fomosa negra? Playoff. Tá lembrado da morte súbita, o primeiro gol da prorrogação? Mudou para golden goal. O mal já contaminou até os prestadores de serviços: personal training, personal style, personal houser. Outro dia ficou impressionado com um anúncio que viu no jornal. "Procura-se um personal friend. Paga-se..." Não quis acreditar, mas o anúncio era bem real. Já pensou? É concebível contratar um estranho como amigo?
Tentou voltar ao trabalho, entretanto uma luzinha começou a piscar na sua mente - week end, test drive, halloween, beach park - e tirou-lhe a concentração.
Durante toda a manhã foi assim. Não conseguiu fazer nada. Perdeu, profissionalmente, o expediente matinal.
Por volta do meio dia continuava com mal estar. Levantou-se e foi ao banheiro. Tentou vomitar e não conseguiu. Na volta foi interpelado por um colega.
_ E a bóia? Onde vai ser?
_ Não sei. Hoje estou de saco cheio, enjoado e sem apetite.
_ Que tal darmos um pulinho num novo self service que inauguraram no outro quarteirão e fazermos um fast food ?
Olhou para o colega com cara de poucos amigos. Quis esganá-lo. Controlou-se e respondeu:
_ Não estou a fim.
Começou tudo outra vez. Hot dog, big Mac, coke diet, coke ligth. " Não, hoje, definitivamente, o dia não está prá mim", disse mentalmente. Deu uma desculpa ao colega e saiu. Perambulou um pouco até melhorar do enjoo e sentir fome. Encontrou um pequeno restaurante com serviço " a la carte" e almoçou. A la carte? Sim. Pelo menos mudou o idioma!

sábado, 26 de julho de 2008

De Bar em Bar II

Domingo de sol. São 10:00 horas. Está um dia lindo, ideal para qualquer tipo de programa: visitar um amigo, ir à praia - bem que a mulher chamou - ou dar um pulo na casa de algum parente. Ao invés disso, pega o violão, o cavaquinho e um pandeiro e põe tudo no carro. Chama o filho e, quase as escondidas, se mandam.
O filho, conhecendo suas verdadeiras intenções, diz que tem um compromisso e precisa voltar logo.
_ É coisa rápida, diz.
Depois de rodar um pouco, passam por uma praça bem arborizada com um quiosque no centro. Para o carro, observa bem e estaciona. Descem com os instrumentos e encaminham-se para uma mesa localizada embaixo de uma mangueira. Sentam-se. A sombra é uma maravilha. Sopra um ventinho gostoso. Chama o garçom.
_ Pois não senhor?
_Traga, para mim, uma cachaça e uma água de coco pro meu filho.
O garçom traz o pedido. Ele toma a cachaça. Começam a tocar. Ele no violão, o filho no cavaquinho. Alguém pega o pandeiro. Aos poucos, a platéia vai-se formando e surgem os inevitáveis pedidos.
- Toca alguma coisa do Chico; Ataúlfo Alves, diz outro; Noel Rosa, pede alguém; Amado Batista - entreolham-se, sorriem e apagam, mentalmente, esse pedido - Martinho da Vila, fala um moreno cantarolando "Já tive mulheres..."; Mousueto, mais outro. Uma lista sem fim.
A brincadeira segue animada. O filho, sempre que eles dão uma paradinha, lembra que tem um compromisso. Por volta das 14:00 horas, o filho, já impaciente, levanta-se e fala que não pode mais ficar. Ele olha para o filho e diz, quase implorando:
_ Só o potpourri de Nelson Cavaquinho e a saideira.
O filho, não querendo desgostá-lo, mas não podendo mais ficar, devido o compromisso assumido diz, encerrando o assunto:
- Pai você já tomou quatro saideira e potpourri de Nelson Cavaquinho já repetimos duas vezes.


o o O o o


Não gosta de restaurantes. Infelizmente não como evitá-los totalmente. Não se sente bem num restaurante. Quanto mais elegante o ambiente, menos a vontade ele fica. Tentou de tudo mas não houve como fugir do convite de um casal amigo para jantar.
O restaurante, ele não conhecia - aliás conhecia pouquíssimos - era elegantíssimo. Ao chegar começou a ficar sem jeito. Quando o manobrista veio pedir-lhe a chave para estacionar o carro, começou a tremer. Não estava bem. Segurou a mão da esposa como se gritasse SOCORRO. Ela apertou-lhe a mão. Ganhou mais confiança. Entraram e dirigiram-se a um local com pouca luminosidade. "Que bom! Assim não não sou notado. Qualquer rata, ninguém vê" pensou. Sentaram-se e começaram a conversar. Passado certo tempo, estava mais tranquilo e, consequentemente, mais a vontade. O amigo pediu whisky - cachaça naquele ambiente, nem pensar - para eles e coquetel para as esposas. Junto com as bebidas veio o courvert. Ele, que já havia tomado algumas doses de pinga antes de sair de casa, olhou e viu aquelas coisas arredondadas, "ovos de codorna", disse mentalmente. Tomou um gole de whisky, espetou um "ovo de codorna", levou-o à boca e só então percebeu que era, na realidade, uma bolinha de manteiga. E agora? Fazer o que? Engolir, óbvio. Ficou mudo. Os olhos enceram-se de lágrimas. Fez um esforço sobre humano para não vomitar. Aos poucos a manteiga foi derretendo e ele engoliu. Esperou o pior, não aconteceu. Deu graças a Deus. Tomou outro gole de whisky. Olhou para trás e lá estava ele, o maitre, imóvel como uma múmia, sorrindo discretamente. Perdeu o bom humor e o resto da noite.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Flagrantes da Vida Real

Sofreu um acidente e fraturou o braço direito em três locais. Além das fraturas houve também desligamento do tendão. Submetido a uma cirurgia, foi necessário colocar uma haste. Passou a usar uma tipóia. Quarenta dias depois, já realizando algumas atividades simples, resolveu ir, sozinho, ao supermercado. A esposa, conhecedora da sua instabilidade emocional, não concordou. O fato dele perder, facilmente, o controle com perguntas e atitudes bobas - que ele chama de imbecis - e comportamento anti ético, sempre foi motivo de preocupação para ela. Nesses casos, responde de forma grosseira e é extremamente sarcástico. " Perguntas imbecis merecem respostas cretinas," diz.
_ Querido eu tenho medo que você magoe o braço e perca a paciência com alguém.
_ Isso não vai acontecer, eu lhe garanto. Além de estar preparado psicologicamente, vou colocar a tipóia. Não se preocupe. Pode ficar tranquila.
Colocou a tipóia a fim de prevenir esbarrões - em casa já não usava mais - e lá se foi. Teve sérias dificuldades para dirigir. Com o braço direito trocava as marchas e apoiava a direção, apenas. O braço esquerdo ficou responsável por quase tudo. Apesar dos movimentos lentos, dolorosos e imprecisos, achou uma maravilha sair de casa sem alguém ao lado. Queria mesmo era dar uma volta, ver gente, conversar com pessoas diferentes.
No supermercado, após apanhar algumas coisas banais: biscoitos, iogurte, requeijão e presunto, ia empurrando um carrinho de pequenas compras cuidadosa e vagarosamente com o braço são, quando, de repente, uma senhora,atendendo o celular distraidamente, com o carro abarrotado de compras esbarra no seu. Devido ao choque ele bateu com o braço quebrado numa prateleira. Sentiu uma dor insuportável. Teve uma vontade enorme de dizer mil palavrões. Pensou na esposa, respirou fundo e controlou-se. Olharam-se. Ela guardou o celular e não disse nada. Ele, encarando-a, disse:
_ Desculpe senhora.
_ Desculpe por que? Ela perguntou.
_ Por eu ser cego e estar no seu caminho, disse sorrindo sarcasticamente e dirigiu-se ao caixa.


o o O o o


Foi ao shoping com a esposa. Lá separaram-se. Ele estava precisando de calçados e entrou numa sapataria. Disse para ela que iria demorar um pouco.
_ Você pode resolver suas coisas que quando eu terminar vou esperá-la aqui mesmo.
Ficou na sapataria e ela saiu. Ia fazer pagamentos, comprar roupa e sapatos para ela e os filhos e algumas coisas para a casa.
Depois de um certo tempo, ela retorna e, ao vê-lo numa fila quilométrica, pergunta:
_ Você comprou os sapatos, querido?
Imediatamente ele respondeu, em um tom de voz perfeitamente audível pelas pessoas que se encontravam nas proximidades:
_ Não, não. Eu estou aqui por que adoro ficar na fila.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Fotos

Conversava com um amigo quando veio à baila o tema fotografia. Disse que gostava muito de fotografar e perguntou ao amigo se gostaria de ver algumas fotos. Ele respondeu que sim. Apanhou um número considerável de fotografias e entregou-lhe. Enquanto conversavam o amigo olhava as fotos e fazia comentários. Quando terminou de vê-las, disse:
_ Quase não há fotos de pessoas. Por quê? Você não gosta de fotografar gente?
_ Não é bem uma questão de gostar ou não gostar, respondeu. O problema é que fotos de pessoas não são verdadeiras. Eu gosto de fotos que expressam verdades. Com pessoas isso é quase impossível. Por isso não saio por aí a fotografá-las.
_ Você pode ser mais explícito, perguntou-lhe o amigo.
_ Claro, respondeu. As únicas fotos autênticas de pessoas são aquelas feitas quando elas não percebem. Essas são verdadeiras. Não há preparação, nem arranjo, nem pose. Você clica e pronto.Entendeu?
_ Entendi perfeitamente, respondeu. Entretanto, não concordo plenamente com você. Há pessoas que se deixam fotografar naturalmente.
_ Só se estiverem mortas! De outra maneira não há como. As pessoas preparam-se até para tirar fotos 3 x 4. Não, não gosto de fotografar gente.
_ O que você me diz de recém-nascidos, pessoas especiais e doentes?
_ Concordo com você. Nesses casos é possível fazer fotos bem reais se não houver alguém da família por perto. Caso contrário, há sempre um arranjo daqui, outro dali.
_ Você não está sendo radical?
_ Talvez esteja. Mas a verdade é que gosto de fotografar a natureza: plantas, animais - irracionais, óbvio - e lugares. Esses permitem-me fotografá-los como realmente são. Com pessoas isso não acontece. Fotografar crianças pequenas é muito difícil. Os pais tentam, ajeitam, adulam, agradam com doces e brinquedos, até ameaçam, as vezes, mas não há solução. Ao final se as fotos não saem de boa qualidade a culpa é do fotógrafo; quando crescem um pouco, elas próprias fazem poses e ficam com cara de bobas; os adolescentes posam sempre como se fossem manequins, coitados; as mulheres têm sempre que retocar a maquiagem, ajeitar os cabelos e complementam com um sorriso que vai de uma orelha a outra; os homens de meia idade são ridículos: encolhem a barriga, estufam o peito e disfarçam com um sorriso amarelo " a la Clarke Gable"; fotografar noivos é um martírio. Que coisa cansativa! Poses e mais poses ensaiadas. Nada real, nada autêntico.
_ Continuo achando que você está sendo extremista, disse o amigo.
Ele continuou com seus argumentos.
_ Com a natureza nada disso acontece. Se você fotografa uma montanha, um rio, uma flor ou uma fera não há ensaios, a não ser do fotógrafo. No final as fotos mostram realmente o que são: uma montanha, um rio, uma flor e uma fera. Não há disfarces. Por isso gosto de fotografá-los. Pela autenticidade, originalidade, naturalidade. Isso não acontece com humanos, concluiu.
_ Sei não, disse o amigo. Penso diferente. Vejamos por esse outro ângulo. A montanha modifica-se à cada estação do ano, tem portanto, o visual alterado; o rio muda, naturalmente, a cada segundo. Nunca é o mesmo; a flor, tão bela no momento da fotografia, tem vida efémera - a maioria - e logo estará murcha, diferente; e, a fera, tão agressiva, torna-se dócil após saciada a fome. Portanto, considerando o que você falou sobre pessoas e analisando as coisas sob o meu ponte de vista, podemos concluir que não há - não importa o reino - fotos verdadeiras. Há sim o momento verdadeiro de cada foto. O que você me diz?
_ Vendo as coisas sob esse aspecto, acho que você tem razão. Não havia pensado dessa maneira. Parabéns pelo raciocínio. Todavia vou continuar sem gostar de fotografar pessoas.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

De Bar Em Bar I

Entra no restaurante, senta, pega o cardápio e dá uma olhada. Não há cachaça na relação dos drinks. O garçom aproxima-se.
_ Pois não, senhor...?
_ Astrogildo.
_ Pois não, senhor Astrogildo. O que deseja?
_ Não vi cachaça na relação. Vocês não servem cachaça?
_ Não, não servimos senhor.
_ Por quê?
_ Ordem da casa senhor. Servimos caipirinha.
Olhou novamente o cardápio. Lá estavam: cuba libre, caipirinha, caipiroska...Caipiroska? Caipirinha de vodka! Como é que pode? Caipirinha é um drink genuinamente brasileiro. Verde-amarelo. Tupiniquim! Por que a vodka, então? Não dá prá entender. Por que descaracterizar algo tão nosso? Pro inferno essa mania miserável de bajular estrangeiros! Teve vontade de levantar-se e sair. Não gosta de caipirinha, prefere a cachaça pura. Pensa um pouco e pergunta:
_ Vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
_ Senhor eu tenho que consultar o maitre.
O garçom retira-se e logo em seguida volta acompanhado do maitre, um sujeito alto, elegante que dirige-se a ele:
_ Pois não, senhor Astrogildo?
_ Eu gostaria de saber se vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
O maitre, muito educadamente, responde:
_ É claro. Servimos sim.
_ Então traga-me uma caipirinha sem açúcar, sem limão e sem gelo!



o o o O o o o



Adora barzinhos e botecos. Restaurantes, não! Vai a restaurantes por uma questão sócio-cultural e familiar. Por vontade própria, nunca! No restaurante sente-se um peixe fora d'água. Todo aquele aparato deixa-o inquieto, sem graça. Garçons impecavelmente vestidos, maitre, mesas com toalhas limpinhas, cadeiras. Haja cadeiras! Em alguns restaurantes passar entre elas é trabalho para contorcionista. Não! Nada disso é condizente com o seu modo de vida. Não fica a vontade. A vontade mesmo só em bares e/ou botecos. Quando um amigo fala de um novo restaurante, elogiando a qualidade do serviço e da comida, ele fica a pensar no novo boteco que encontrou. Na realidade ele é um caçador de botecos. Ultimamente, devido à crescente onda de violência, suas idas a bairros novos à procura de botecos diminuiu bastante.
Outro dia teve um momento de glória. Passando, ocasionalmente, por uma rua desconhecida ele o viu. O coração acelerou. Estava bem ali! Uma maravilha! Azul sua cor preferida. É verdade que o azul não era muito agradável - a la caixão de anjo - mas era azul. Aproximou-se observando os detalhes. Estreito, tinha apenas uma porta, sem janelas. Na parade, duas placas: uma de Ypióca e a outra de guaraná Antarctica - que é puro e natural - ambas bastante gastas pelo tempo. Entrou. Que beleza de boteco! Pequeno. Pequeno não, mínimo! Apenas uma mesa com dois tamboretes ocupados por indivíduos jogando dominó. Uma prateleira com as bebidas: cachaça, conhaque, rom, vodka e vinho. Apenas um litro de cada. Nenhum lacrado. Havia alguns refrigerantes. Não tinha geladeira. O balcão de cimento batido - manchado sabe lá Deus de que - tinha, de um lado uma portinhola daquelas que abrem para cima e do outro uma bandeja de alumínio com copos americanos virados de boca para baixo. " Perfeito ", pensou. Por trás do balcão, o dono - de bermuda e sem camisa - e por trás dele uma mesinha com gaveta e sobre ela um pires com pedaços de limão e laranja. Na parede frontal havia três quadro: um do Menino Jesus no centro, a direita um de São Francisco do Canindé e a esquerda um de Padre Cícero.
Encostou-se no balcão e pediu uma cachaça. Tomou e chupou um pedaço, seco, de laranja. Pediu outra. Na paraede à sua direita tinha um retrato do Flamengo quando fora campeão mundial de clubes. Tomou a segunda dose e puxou assunto. Elogiou o Flamengo - é são paulino - lamentando a má fase do mesmo devido, principalmente, os erros das arbitragens. Esse fato chamou a atenção dos jogadores de dominó que passaram a participar da conversa, que ficou bastante animada. Após a quarta dose pediu a conta. Quando tentou tirar o dinheio do bolso, percebeu que o braço estava colado no balcão. Divino! "Tenho que contar prá turma". Depois de certo esforço, soltou-se, pagou a conta, tomou a saideira por donta da casa e prometeu voltar breve.

terça-feira, 1 de julho de 2008

O Presente

Recebeu o pacote da filha, abriu e estranhou a embalagem - papel de presente - e o beijo de parabéns.
_ Por quê?
_ E porque não? Qualquer dia é dia de presentear. Disse a filha.
_ Eu sei, eu sei. Mas logo hoje, com parabéns e tudo mais?
_ Hoje é um dia como outro qualquer. Convencionalmente passou a ser chamado de Dia das Mães, só isso pai.
_ Eu sei filha, mesmo assim acho estranho. Você há de convir que não é comum um homem receber presente no Dia das Mães.
_ Lá vem o senhor defendendo ideias ultrapassadas. Deixa de ser machista pai! Me diga por que um homem não pode receber presente no Dia das Mães? Principalmente você que só não fez amamentar.
_ É uma questão de princípios. Eu acho que...
_ Bobagem, pai. Considerando o que você me ensinou, a concepção depende dos dois e, no meu caso específico, que sou mulher, a contribuição cromossômica de vocês foi a mesma, cada um contribuiu com um cromossomo X. Portanto, o conceito de pai e mãe é somente uma questão de gênero.
_ É o seu ponto de vista.
_ Pai nós vivemos numa sociedade moderna onde é comum o homem assumir o papel de mãe e vice-versa
_ Em casos especiais: separação, divórcio, morte de um dos cônjuges...
_ Não necessariamente. Quando um casal mantém um bom relacionamento e divide responsabilidades, a criação dos filhos está implícita, independente do sexo. Lembra quando você me dava banho e me vestia?
_ Bons tempos aqueles! Tenho saudades de tudo. Especialmente das nossas brincadeiras.
_ Eu também. Quer continuar o assunto?
_ Quero. Em relação ao início da vida da criança o papel da mãe é fundamental. A amamentação é muito importante para que o bebê cresça forte e saudável além de aproximá-las afetivamente.
_ Concordo. Você está certo quanto a importância da amamentação para a saúde da criança. Lembre,porém que antigamente em muitas famílias abastadas, isso era feito por uma ama-de-leite quando a mãe não podia ou não queria amamentar, o que ocorria na maioria das vezes. Hoje existem os bancos de leite materno que têm a mesma função. Portanto, importante mesmo são o carinho e a afetividade que não têm sexo.
_ Ainda acho que pai é pai e mãe é mãe.
_ Tipo aquele comercial " onde um pneu é um pneu", não é? Essa sua ideia conservadora está prá lá de ultrapassada.
_ Minha filha quem é que abriga e carrega a criança durante a gravidez?
_ É a mãe claro. Mas pode não ser, obrigatoriamente, a mãe biológica.
_ Você tá se referindo a...
_ Barriga de aluguel, lógico.
_ Sei não. E quanto ao pai, o que você me diz?
_ O pai biológico? Não muita coisa. Você, como professor, sabe melhor do que a maioria das pessoas que os espermatozóides podem ser provenientes de um banco de sêmen.
_ Seus argumentos acabam, simplesmente, com o conceito de família
_ Geneticamente, apenas. Quanto ao lado afetivo, não. Isso é diferente. Em muitos casos de adoção a paternidade genética é desconhecida. Esse fato, entretanto, não impede a felicidade da família formada.
_ Mesmo assim ainda prefiro a criação à moda antiga.
_ Isso é o básico, o ideal. O que você me diz da adoção feita por casais de homossexuais?
_ Não tenho opinião formada.
Era uma forma de fugir ao assunto. Calou-se mas a filha continuou dissertando sobre a igualdade dos papeis do homem e da mulher na sociedade moderna. Apesar de não comungar totalmente com suas teorias, estava encantado - ainda mais - com a filha. Admirava a capacidade com que defendia suas ideias. Era muito convincente, persuasiva. Fechou os olhos, voltou no tempo e reviu aquela linda e irrequieta garotinha sempre nos seus calcanhares a repetir: " Oh Paiê"; " Para pai"; " pai". Foi trazido, novamente, à realidade pela pergunta da filha.
_ Me diga, pelo menos, se gostou do presente
_ É maravilhoso. Estava mesmo querendo ler alguma coisa bacana. Obrigado.
Ficou refletindo sobre a evolução dos tempos e a necessidade de adaptação do homem - independente do sexo - à vida moderna. Todavia, duas dúvidas passaram a martelar sua mente. Como pai teria sido uma boa mãe? No Dia dos Pais receberia alguma coisa de presente?