domingo, 7 de setembro de 2008

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Tem fixação pela tríplice ocorrência de fatos em geral. Não sabe porque, quando nem como tudo começou. Talvez resulte da sua admiração pela constelação das Três Marias*. Desde muito pequeno foi acostumado, pelo pai, a observá-la. Em noites apropriadas ficavam os dois sentados, contemplando o céu, voltados para o poente a procurá-la. Não é uma tarefa difícil nem requer conhecimentos sobre Astronomia. Basta gostar de apreciar estrelas.
Pode também resultar das penas religiosas imputadas pelo padre após a confissão - como sofreu para decorar o Pai Nosso, o Credo e a Salve Rainha -na qual omitia os pecados mais escabrosos. Os ditos "pecados cabeludos". Na realidade nunca fizera uma verdadeira confissão.
_ Só isso meu filho, indagava o padre.
_ Só "seu pade", respondia sempre.
_ Reze três Pai Nosso e três Ave Maria.
Se, entretanto, alguma vez , tivesse contados todos os pecados cometidos, esse número teria se transformado numa dízima periódica infinita.
O mais provável, porém, é que sua fixação pelo número três seja resultante da tortura psicológica sofrida quando criança para provar que era corajoso. Em noites de lua nova, quando era quase impossível enxergar alguma coisa - não havia energia elétrica no lugarejo - , era feito "o teste". A criança afastava-se, o máximo possível da turma, para um local determinado pelo líder do grupo, ficava de costas e falava bem alto para que todos ouvissem:
_ Vim aqui por uma "posta", não saio sem resposta, macaco preto pule nas minhas costas.
Repetia, pausadamente, três vezes sem titubear. Em seguida voltava lentamente. Não valia correr nem apressar o passo. Se não fizesse direito tinha que repetir tudo ou passava a servir de chacota e era expulso da turma. Três coisas que ninguém queria.
Tornou-se um adulto regido(?) pelo número três. Pensou em procurar um especialista, mas desistiu. " Procurar um analista por causa dessa bobagem? Onde já se viu isso? Deixa de viadagem,cara!" Depois dessa repreensão da sua consciência, resolveu acostumar-se ao fato. Assim, o número três passou a servir de base para seu comportamento.. Não o considera um número fatal ou fatídico. Não é seu número de sorte ou azar. É, simplesmente, um número especial.
_ As coisas ocorrem sempre três a três - diz com frequência - principalmente se forem ruins.
Não é dependente do número, mas tem fixação por ele. Ao acordar repete diariamente: uma ligeira prece à Deus,em seguida faz a barba e por último toma banho. Nunca inverte a ordem. Durante o café da manhã, come uma banana, depois alguma outra coisa, fruta na maioria das vezes, e em seguida toma suco. Também não inverte a ordem para não atrapalhar a digestão.
Superstição? Trauma? Transtorno?Talvez os três.
Quando está dirigindo não desvia a atenção para os lados; conserva uma distância regulamentar
do carro à sua frente; soma os números das placas que vai encontrando -gostou muito quando houve a modificação das placas: três letras ao invés de duas - e tira os noves fora. Se o primeiro resultado for três, o dia será ótimo. Se, todavia o resultado for zero, passa o dia apreensivo. Por quê? Porque zero é noves fora de nove, que resulta, de alguma forma de três vezes três.
Naquele dia começou tudo errado. Acordou tarde - não devia ter ido àquele aniversário na noite anterior - e não fez a barba. Comeu, rapidamente, uma fatia de mamão e tomou suco. Saiu de casa apressado para não chegar atrasado no emprego. Saiu nove minutos - 3 x 3 - depois do horário habitual. O trânsito estava um caos! Tudo por causa de nove minutos. Tentou relaxar. Contou os números da primeira placa: 4725, noves fora zero! "Não há de ser nada, apenas uma coincidência. Vou tomar bastante cuidado." Fez uma prece rápida. O trânsito estava ficando insuportável! Buzinas e mais buzinas! Meu Deus pra que isso? Buzinar nada resolve, ao contrário deixa todo mundo mais nervoso. A buzina, segundo seu ponto de vista, só deve ser utilizada em três situações: fazer um alerta, chamar a atenção de alguém e/ou prevenir algo. Parou por causa de um engarrafamento. Olhou as horas. Tinha apenas dez minutos para chegar ao trabalho. Com esse trânsito ia, certamente, chegar atrasado. Nada podia ser feito. Tentou relaxar novamente. Ali parado, percebeu uma "gostosona" que atravessava a rua na faixa contrária. Como bom brasileiro e apreciador do "produto", esqueceu os problemas e o trânsito. O sujeito atrás dele acionou a buzina desesperadamente como se fosse uma sirene. Teve um susto e tirou os pés do acelerador e da embreagem, o carro que estava engatado - um erro grosseiro - foi de encontro a traseira do carro da frente. Um importado, novinho,novinho. Respirou fundo, contou até dez e desceu para ver o estrago causado. A placa chamou-lhe a atenção: 7614, noves fora ZERO!

*As Três Marias são três estrelas, dentre muitas outras, que constituem a constelação de Órion. Elas formam apenas o cinturão do famoso guerreiro grego, que dá nome a citada constelação.

2 comentários:

Unknown disse...

Amei! absolutamente maravilhoso texto. Delicioso. Bateu todos os que li ate hoje. Obrigada pelo momento de leitura tao bacana. Amo voce!

Unknown disse...

...e linkei o post no meu blog, sem pedir permissao....desculpa! Ja foi :-)