Estava na casa de um colega do banco que lhe convidara para conhecer a esposa, ver o futebol e tomar umas cervejas.
_ Saara, cheguei querida. Trouxe um colega comigo. Veio ver o jogo.
Não houve resposta. Voltou a chamá-la, falando um pouco mais alto.
_ Saara, cadê você? Cheguei amor.
Dessa vez a resposta veio sob a forma de uma suave melodia. Uma voz linda respondeu delicadamente.
_ Um instante querido. Estou-me trocando. Desço num segundo.
A voz era envolvente, sedutora, gostosa de ouvir. Se tivessem sido contemporâneas, Íris Lettieri jamais teria feito tanto sucesso com seus famosos anúncios: " Atenção senhores passageiros com destino...". Ficou aguardando-a ansiosamente. " Se o corpo fizer jus à voz - pensou com todo respeito - vou ter uma linda companhia para ver o jogo ". Enquanto esperavam ele disse:
_ Carmelo, por que você arrasta o " a " quando diz o nome de sua esposa?
_ Com arrasta o " a "?
_ Você disse duas vezes Saaara.
_ Não. Eu disse Saara.
_ Como é o nome dela: Sara ou Saara?
_ Maria das Dores.
_ Saara é apelido?
_ É sim.
_ Ela não fica chateada?
_ Não, pelo contrário. Ela gosta porque sabe que é uma forma carinhosa de tratá-la.
_ Por que Saara, especificamente?
_ Ela tá descendo depois eu conto.
Quando a mulher entrou na sala ele não conseguiu disfarçar a surpresa. Aguardava uma mulher bonita. Ela, entretanto, tinha uma aparência inesperada, fora do comum. Era mesmo de chamar a atenção. Qualquer vivente observando-a pela primeira vez ficava impressionado.
Levantaram-se. Ela aproximou-se e beijou Carmelo. Ele disse:
_ Saara, esse é Esmerindo um colega do banco que veio ver o jogo com a gente.
Quando ela toucou-lhe a mão, sentiu uma sensação estranha como se tivesse sido atingido por um choque elétrico que se propagou através da medula até atingir o dedão do pé. Ficou, por alguns instantes, parado, mudo, eletrocutado. Por fim falou:
_ Oi, tudo bem? Muito prazer.
_ O prazer é meu. Seja bem vindo, fique a vontade.
Sentiu-se melhor quando ela soltou-lhe a mão. Sentaram-se e ele ficou observando-a de soslaio. Pensando bem, o apelido Saara caía-lhe como uma luva. Ela era magérrima, esquelética, seca, literalmente seca. Seu colega fora muito critérioso na escolha do apelido. A mulher era extremamente magra, anoréxica, caquética! A anorexia conferia-lhe uma aparência doentia. Pensou imediatamente em Bangla-Desh e na Biafra. Lembrou, sem nenhuma maldade, a piada do indivíduo que era tão magro que o pijama só tinha uma lista.
O jogo começou e prendeu-lhe a atenção. Passados alguns minutos, pediram liçença e foram à cozinha. Ficou sozinho a fazer conjecturas. " Como é possível alguém sentir-se bem num corpo assim? Será modismo? Não podia acreditar. Doença, só pode ser doença. AIDS? Não , claro que não. Será por causa das Dores? Pode ser, pode ser. Como alguém pode conviver com uma pessoa com esse aspecto? Será que ela já era assim quando casaram? Carmelo é um sujeito bem parecido, culto, educado podia ter conseguido coisa melhor. Deve ter sido- se é que existe - feitiço, mandinga, despacho ou qualqer coisa assim. Caso contrário, esse é um exemplo concreto de que, na realidade, o amor é verdadeiramente cego. Não devem transar. É isso, convivem juntos mas não transam"!
Retornaram. Ele na frente com as cervejas e ela atrás com duas vasilhas de tamanhos diferentes. _ Essa é a de vocês, disse ela colocando a vasilha maior perto deles, e essa é a minha.
Não entendeu o porque da separação uma vez que ambas tinham o mesmo conteúdo: pipocas. Como advinhando seus pensamentos, complementou:
_ A minha não tem manteiga nem sal.
"Eis um dos motivos", disse mentalmente. Ficaram calados vendo o jogo. A medida que foi-se acostumando com a aparência de Saara,notou que era um pouco vesga e tinha orelhas
enormes que só eram percebidas quando ela ajeitava os cabelos. Não estava se sentindo completamente a vontade. Para piorar a situação o jogo estava péssimo, uma verdadeira pelada.
Resolveu ir embora embora antes do final. Deu graças a Deus quando acabou o primeiro tempo. Pediu desculpas e disse que ia aproveitar o intervalo. Despediu-se de Saara - sem tocá-la - e agardeceu a gentileza.
_ As pipocas estão ótimas.
Carmelo foi com ele até a saída. Quando estava entrando no carro, o amigo falou:
_ Vai embora sem saber o porque do apelido da Saara?
_ Não é necessário explicar. Já entendi.
_ Creio que não.
_ Pode ter certeza que sim.
_ Não é o que você tá pensando. O apelido é devido ao gel que ela usa quando fazemos amor. Ela é frígida.
A resposta dele foi automática.
_ E você é tarado!
Entrou no carro e acelerou!
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