sexta-feira, 24 de julho de 2009

Psicologia do Inverso

_ Uma amiga me disse que lhe viu com outra.
_ E daí?
_ Disse também que não foi a primeira vez.
_ O que mais?
_ Ela acha que você tá tendo um caso.
_ Ela ou você?
_ Não interessa. É verdade?
_ É.
_ Você confirma?
_ Claro!
_ Nem tenta se defender?
_ Adianta? Sua amiga não lhe contou que me viu com outra? Se eu disser que é mentira, em quem você vai acreditar, nela ou em mim?
_ Nela, é óbvio!
_ Tá vendo? Não há defesa.
_ Quer dizer que é verdade?
_ Humrum.
_ Você confirma, assim tranquilo e descaradamente, seu cretino?
_ Sem agressão nem violência, certo?
_ Quando foi que começou? Faz tempo?
_ Não lembro bem quando começou, mas lhe garanto que não é recente.
_ Eu não acredito no que estou ouvindo. Você não pode tá falando sério. Como você teve coragem de me enganar durante tanto tempo?
_ Eu nunca lhe enganei. Sempre disse a verdade você é que nunca acreditou.
_ Como nunca acreditei? Eu só soube agora através de uma amiga e porque você acabou de confirmar. E ainda tem a coragem de dizer que nunca me enganou?
_ É verdade. Eu sempre falei a verdade.
_ Como assim?
_ Lembra quando eu comecei a sair sozinho? O que você perguntava? " Pra onde você vai?" Qual a minha resposta? Lembra?
_ Eu não acredito. Aquela brincadeira...
_ Acontece que nunca foi brincadeira. Eu sempre respondi a verdade: vou resolver um problema sexual.
_ Como eu podia imaginar que...
_ Pois é, você nunca levou a sério. Entretanto, eu nunca menti e você nunca se preocupou. As vezes até gostava quando eu saía sozinho.
_ Você tá brincando comigo. Só pode ser isso. Diga a verdade seu cretino!
_ Eu já pedi. Sem violência nem agressão, certo? Estou dizendo a verdade. Eu tenho um caso.
_ Por que?
_ Por que? Acho que não tem justificativa. Aconteceu, simplesmente.
_ Simplesmente, você diz simplesmente? Me explique como e porque.
_ Não sei. Talvez pela semelhança. Ela parece muito com você. Tem a mesma estatura, cintura fina, quadril largo, rosto fino e aristocrático como o seu, mas é loura.
_ Loura? Você sempre disse que detesta louras porque todas elas são burras
_ Continuo dizendo.
_ Entretanto tem um caso com uma.
_ Isso prova duas coisas: a psicologia do inverso funciona mesmo; e, uma propaganda bem feita e persistente atinge sempre o objetivo.
_ Canalha, cretino, porco chauvinista!
O cinzeiro passou sibilante próximo a orelha dele e abriu um rombo na parede antes de espatifar-se no chão.
_ Sem violência, por favor. Peço mais uma vez.
_ Como você pode ter um caso com essa mulher, que além de loura é burra, se você vive dizendo que é incapaz de conversar por mais de trinta minutos com uma mulher burra?
_ Explico. Eu nunca fui la pra conversar.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A Reconciliação

_ Quantos anos de casados?
_ Doze.
_ Só doze não,quase treze.
_Qual o motivo da separação? Acabou o amor?
_ A bem da verdade, eu diria que não.
_ A senhora concorda com ele?
_ Bem, acho que não...
_ Não? Então acabou...
_ Acho que não acabou o amor.
_ Ah! Então qual o motivo da separação?
_ Incompatibilidade.
_ De gênios?
_ Insensatos!
_ Não entendi.
_ Ele quer dizer que, as vezes, somos insensatos.
_ Tudo bem. Voltando à pergunta. Incompatibilidade de gênios?
_ Também.
_ Também?
_ É isso aí.
_ Não entendi, de novo.
_ Ele tá querendo dizer que há outras incompatibilidades entre nós.
_ Humrum. A senhora ou ele ou ambos podem ser mais eloquentes. Um por vez, óbvio.
_ A bem da verdade, atualmente, nós somos totalmente incompatíveis.
_ A senhora tem a mesma opinião?
_ Sei que é insuportável!
_ O que, ele?
_ Não, a nossa situação.
_ Deixe ver se entendi. Vocês ainda se amam, mas não se entendem mais, certo?
_ A bem da verdade, não.
_ Não?
_ Sim.
_ Sim ou não?
_ Ele tá querendo dizer que já não nos entendemos tão bem como antigamente.
_ Como assim? A senhora, me parece, consegue entendê-lo perfeitamente. Parece até que lê seus pensamentos, não é verdade?
_ Ele também.
_ Ele também?
_ Ela quer dizer que eu também consigo entendê-la muito bem.
_ Vamos organizar as coisas. Acho que está havendo uma certa, digamos assim, incoerência no comportamento de vocês. Pelo que me fizeram entender, vocês ainda se amam e se entendem muito bem, então como explicar esse comportamento divergente. Já não gostam mais das mesmas coisas? Não têm mais as mesmas preferências e afinidades?
_ Gostamos das mesmas coisas e temos as mesmas preferências e afinidades só que, na maioria dos casos, em sentidos opostos. Ao avesso.
_ O senhor concorda?
_ Concordo. A bem da verdade, nós somos o côncavo e o convexo, só que um tá sempre ao contrário, de costas. Daí a impossibilidade de ajuste.
_ Vejamos. O senhor está dizendo que foram feitos um para o outro, como o côncavo e o convexo, entretanto ocorrem divergências porque um , de acordo com suas palavras, está sempre de costas, certo?
_ Certo.
_ Ela está sempre assim?
_ Assim como?
_ De costas pra você?
_ Quem me dera! As vezes nem de frente!
_ Respeite o ambiente. Não desvirtue a pergunta. Deixe de malsinações, disse ela com um sorriso maroto.
_ Vocês podem ser mais explícitos?
_ Como explícitos? Perguntaram em uníssono.
_ A relidade. Algo concreto para eu puder ter base em que fundamentar meu veredito
Eles trocaram um longo e lânguido olhar cheio de cumplicidades e ela falou.
_ Algo concreto, explícito, hein?
_ Exatamente.
_ Agora?
_ Por que não?
_ Aqui?
_ Qual a dúvida?
_ Vai demorar um pouquinho, disse ele.
_ Não há problemas.
_ E o resto da clientela?
_ Pode esperar.
_ Então tranque a porta, disse ela tirando a blusa e olhando lascivamente para ele que já começara a tirar a camisa.