sábado, 30 de agosto de 2008

Dialetos

Primeiro ele resistiu. Fincou pé. Fez figa. Tentou tudo, tudo mesmo, mas terminou entregando os pontos. Ela, finalmente, vencera. Sabe como é que é, ? "Água mole em pedra dura...". Assunto encerrado. Se era para o bem de ambos, felicidade geral e união da família ele ia assistir - embora contrariado - pelo menos uma novela. Sabia que estava traindo a memória do pai. " Homem que assiste novela, chupa dindin e cruza as pernas, não é sapato mas dorme na caixa." Pensando nisso quis voltar atrás. Mas como já havia prometido, empenhado a palavra, não podia desistir. Lembrou novamente do pai - " homem que é homem..." - pediu-lhe perdão e resolveu ir adiante. Desse modo, o inesperado aconteceu. Toda noite, após o telejornal, lá estavam eles assistindo a novela das 8:00 horas, que nunca começa antes das 8:30hs.
Aos poucos foi-se acostumando à nova situação: ficar diante do televisor fingindo assistir a novela. Os primeiros capítulos prederam um pouco sua atenção. Em seguida veio a fase do "besteirol", do enche linguiça, do lenga-lenga. Como o enredo não lhe despertava o menor interesse, concentrou sua atenção nos diálogos. O resultado foi o mesmo: nada de interessante. Mesmo assim continuou assistindo para evitar atritos com a esposa Muitas vezes cochilava.
A primeira vez que ela pediu sua opinião sobre um determinado assunto abordado, ele que havia cochilado e não sabia do que se tratava, respondeu:
_ Desculpe querida mas eu não entendo esse dialeto.
Ela não gostou. Disse que ele era muito elitista, que só queria ser "o tal", que ele devia ser mais simples, "mais povo, mais gente". Permaneceu calado. Não queria discutir.
Os dias ( na realidade, as noites ) foram passando, os capítulos, idem, o "besteirol" se repetindo e ele torcendo pelo final da novela. Fingia estar gostando para manter "um clima " favorável entre eles. Entretanto,vez por outra, referia-se aos diálogos como dialetos. Durante determinado capítulo, um empresário entrevistando uma candidata a uma vaga na empresa, disse:
_ Minha filha você precisa ter mais autoconfiança em você.
Olharam-se e ele perguntou:
_ Querida isso é ou não é um tipo de dialeto?
Ela não respondeu. As coisas contiuram como eram antes. Uma noite, após a novela, ficaram vendo o futebol. Coisa raríssima, ela ver um jogo. No final, um jogador entrevistado e questionado sobre o resultado desfavorável da partida, respondeu:
_ É isso aí. Quem não faz leva, ? Nois joguemo melhor e perdemo. Eu dei o meu máximo, mas taí o resultado.
Ele pressentiu o que ela ia dizer e antecipou-se.
_ Você tem razão. Isso também é uma forma de dialeto.
_ Eu não falei nada, disse ela.
_ Mas pensou, disse ele.
Calaram-se. Não demorou muito, ela adormeceu . Ele permaneceu acordado pensando no assunto e perdeu o sono. E agora? Chá de camomila? Suco de maracujá? Estava com preguiça de fazer. "O jeito é contar carneirinhos e tentar dormir pois amanhã cedinho tem "batente" à noite tem novela e eu tenho que dar o "meu máximo" para não dormir e desagradar "dona Encrenca"!

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