quinta-feira, 3 de julho de 2008

De Bar Em Bar I

Entra no restaurante, senta, pega o cardápio e dá uma olhada. Não há cachaça na relação dos drinks. O garçom aproxima-se.
_ Pois não, senhor...?
_ Astrogildo.
_ Pois não, senhor Astrogildo. O que deseja?
_ Não vi cachaça na relação. Vocês não servem cachaça?
_ Não, não servimos senhor.
_ Por quê?
_ Ordem da casa senhor. Servimos caipirinha.
Olhou novamente o cardápio. Lá estavam: cuba libre, caipirinha, caipiroska...Caipiroska? Caipirinha de vodka! Como é que pode? Caipirinha é um drink genuinamente brasileiro. Verde-amarelo. Tupiniquim! Por que a vodka, então? Não dá prá entender. Por que descaracterizar algo tão nosso? Pro inferno essa mania miserável de bajular estrangeiros! Teve vontade de levantar-se e sair. Não gosta de caipirinha, prefere a cachaça pura. Pensa um pouco e pergunta:
_ Vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
_ Senhor eu tenho que consultar o maitre.
O garçom retira-se e logo em seguida volta acompanhado do maitre, um sujeito alto, elegante que dirige-se a ele:
_ Pois não, senhor Astrogildo?
_ Eu gostaria de saber se vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
O maitre, muito educadamente, responde:
_ É claro. Servimos sim.
_ Então traga-me uma caipirinha sem açúcar, sem limão e sem gelo!



o o o O o o o



Adora barzinhos e botecos. Restaurantes, não! Vai a restaurantes por uma questão sócio-cultural e familiar. Por vontade própria, nunca! No restaurante sente-se um peixe fora d'água. Todo aquele aparato deixa-o inquieto, sem graça. Garçons impecavelmente vestidos, maitre, mesas com toalhas limpinhas, cadeiras. Haja cadeiras! Em alguns restaurantes passar entre elas é trabalho para contorcionista. Não! Nada disso é condizente com o seu modo de vida. Não fica a vontade. A vontade mesmo só em bares e/ou botecos. Quando um amigo fala de um novo restaurante, elogiando a qualidade do serviço e da comida, ele fica a pensar no novo boteco que encontrou. Na realidade ele é um caçador de botecos. Ultimamente, devido à crescente onda de violência, suas idas a bairros novos à procura de botecos diminuiu bastante.
Outro dia teve um momento de glória. Passando, ocasionalmente, por uma rua desconhecida ele o viu. O coração acelerou. Estava bem ali! Uma maravilha! Azul sua cor preferida. É verdade que o azul não era muito agradável - a la caixão de anjo - mas era azul. Aproximou-se observando os detalhes. Estreito, tinha apenas uma porta, sem janelas. Na parade, duas placas: uma de Ypióca e a outra de guaraná Antarctica - que é puro e natural - ambas bastante gastas pelo tempo. Entrou. Que beleza de boteco! Pequeno. Pequeno não, mínimo! Apenas uma mesa com dois tamboretes ocupados por indivíduos jogando dominó. Uma prateleira com as bebidas: cachaça, conhaque, rom, vodka e vinho. Apenas um litro de cada. Nenhum lacrado. Havia alguns refrigerantes. Não tinha geladeira. O balcão de cimento batido - manchado sabe lá Deus de que - tinha, de um lado uma portinhola daquelas que abrem para cima e do outro uma bandeja de alumínio com copos americanos virados de boca para baixo. " Perfeito ", pensou. Por trás do balcão, o dono - de bermuda e sem camisa - e por trás dele uma mesinha com gaveta e sobre ela um pires com pedaços de limão e laranja. Na parede frontal havia três quadro: um do Menino Jesus no centro, a direita um de São Francisco do Canindé e a esquerda um de Padre Cícero.
Encostou-se no balcão e pediu uma cachaça. Tomou e chupou um pedaço, seco, de laranja. Pediu outra. Na paraede à sua direita tinha um retrato do Flamengo quando fora campeão mundial de clubes. Tomou a segunda dose e puxou assunto. Elogiou o Flamengo - é são paulino - lamentando a má fase do mesmo devido, principalmente, os erros das arbitragens. Esse fato chamou a atenção dos jogadores de dominó que passaram a participar da conversa, que ficou bastante animada. Após a quarta dose pediu a conta. Quando tentou tirar o dinheio do bolso, percebeu que o braço estava colado no balcão. Divino! "Tenho que contar prá turma". Depois de certo esforço, soltou-se, pagou a conta, tomou a saideira por donta da casa e prometeu voltar breve.

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