Final de semestre. Estava terminando de corrigir umas provas quando ele entrou. Me cumprimentou e sentou-se.
_ Encerrando tudo?
_É isso aí.
_Que tal uma geladinha sábado? Para comemorar o início das férias.
_ Pode ser.
_ Vamos lá. Eu quero levá-lo num bar novo que conheci. É legal. Boa música. Excelente frequência. Clientela bastante eclética. Você vai gostar, tenho certeza. É bem diferente. É diferente até no nome. Padaria Espiritual.
Parei a correção. Padaria Espiritual? Que nome mais esquisito para um bar, pensei. Fiz mentalmente uma retrospectiva. Padaria Espiritual foi um importante movimento literário e cultural que teve início no final do século XIX - 1892, trinta anos antes da Semana de Arte Moderna - e durou até meados do século XX. Notabilizou-se pelo caráter irreverente e vanguardista dos seus fundadores. Vários artistas e literatos famosos, como Antonio Sales, Rodolfo Teófilo e Papi Júnior foram "padeiros". O movimento foi precursor da Academia Cearense de Letras que foi fundada três anos antes da ABL, sendo, portanto, a primeira Academia de Letras do Brasil.
_ Combinado?
Fiquei curioso e interessado mas tinha que ver com minha esposa se havia algum compromisso para o final de semana.
_ Sábado às 11:00 horas? Você vai gostar, não tenho dúvidas. Lá tem de tudo. Pessoas comuns, boêmios, artistas, poetas, saudosistas, intelectuais, sem falar na mulherada. Tem cada uma! Você precisa ver prá crer.
Meu interesse aumentou.
_ Vou tentar.
_ Não vai se arrepender. Você precisa conhecer o dono. É um sujeito bacana. Muito educado e atencioso, "monsieur Vicent".
Minha curiosidade duplicou. Prometi que faria o possível e continuei meu trabalho. Ele saiu.
Não fui. Não deu certo. A Padaria Espiritual, tanto a vanguardista com seus "padeiros" quanto a boêmia, com o francês incluso, estiveram presentes durante boa parte de minhas férias. Decidi que no segundo semestre aceitaria o convite do meu amigo e mataria minha curiosidade.
Quando as aulas reiniciaram, organizei o calendário das minhas atividades e achei um sábado livre no começo de Setembro. Combinei com meu amigo, nossa visita ao bar Padaria Espiritual para aquela data. Iríamos nós dois, a secretária dele e uma amiga boazuda, minha conhecida. Eu já tivera maus pensamento a seu respeito. Talvez..
No dia marcado eu estava mais ansioso do que goleiro na hora do pênalti. Motivos: a Padaria Espiritual e seu francês e minha acompanhante tipo "raimunda". Que bela padaria, a dela.
Meu amigo teve que passar na sala do Diretor, assim, eu e as garotas, fomos na frente.
Achei o local bem interessante. Era uma construção antiga. Estava precisando de uma pintura geral mas era bastante agradável. Entramos. Havia dois salões. Um pequeno com todas as mesas ocupadas e um outro, enorme, com várias mesas desocupadas. Não vi mulher alguma além das nossas acompanhantes. Mesmo assim o ambiente era gostoso. Ventilado, silencioso - ideal para um bate-papo - e com pouca luminosidade. Escolhemos uma mesa reservada. Sentamos e fomos atendidos por um garçom baixinho, cabeça chata, com cara de papudinho, vestido normalmente e que atendia pelo nome de Vicente. Pedi uma cerveja e fui ao banheiro. Quando voltei o meu amigo já havia chegado e conversava com o garçom que se encontrava sentado à nossa mesa. Achei estranho mas nada disse. Sentei. Eles conversavam sobre uma viagem à Canindé que seria feita no final do ano. Depois de algum tempo entrei na conversa.
_ Canindé a pé?
- Vou todos os anos, disse o garçom e continuou contando a sua peregrina façanha.
Perdi o interesse por Canindé e voltei-me para as garotas. Percebi que a minha suposta acompanhante estava de olho num gringo que pelo fenótipo devia ser americano. " Tudo bem. Não temos nenhum compromisso", pensei com meus botões.
Estávamos no local há mais de uma hora e o francês nada de aparecer. O garçom não largava meu amigo. Eu já não aguentava mais sua romaria. E o francês, cadê? Tive vontade de perguntar, mas meu amigo estava bastante entretido com o garçom, que depois levantou-se e dirigiu-se a mim.
_ Meu querido desculpe se ainda não lhe dei a devida atenção. Espere um instantinho só. Eu volto já, já e então a gente conversa. Disse, pediu liçença e saiu.
A ficha caiu! Vicent? Vicente! É isso! O filho da puta do meu amigo me pregara uma peça! Nada de francês elegante, educado, charmoso, refinado como me fizera acreditar todo esse tempo.
" Monsieur Vicent" era na verdade um típico cearense de cabeça chata, devoto de São Francisco do Canindé e ainda por cima pinguço! Uma decepção. Não demorou muito e minha "padaria" mudou-se para a mesa do "padeiro" americano. Outra decepção.
Um regional tocando chorinhos divinamente bem,salvou a situação durante o resto da tarde.
Cheguei em casa por volta das 17:00 horas de "tanque cheio". Minha esposa olhou-me com aquele seu olhar"tinta e três", fez uma avaliação do meu estado etílico e disse:
_ Querido, não tem pão pro jantar. Você quer ir na padaria?
_ Vá você. Aos sábados eu detesto padarias!
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