Estávamos no quartel quando ele entrou e, como de costume, cumprimentou a todos com seu vozeirão característico. O quartel é um boteco que frequentamos diariamente, eu e mais quatro amigos, e onde ficamos bebericando alguma coisa e conversando banalidades. Futebol, religião e política brasileira. Mulher? Não. Mulher não é banalidade! Mulher é coisa séria e gostosa. Pena que nunca vem sozinha. Vem sempre acompanhada. Traz consigo a mãe, TPM e contas: luz, água, telefone, farmácia, supermercado, colégio das crianças, além de mais uma infinidade. Ao sair leva muita coisas - das que trouxe, apenas a TPM - dentre elas o carro e, algumas vezes, uma baita de uma pensão e deixa falta. Muita falta.
Ele permaneceu em pé.
_ Senta um pouquinho prá gente conversar. Tá com mais de dois meses que você aparece.
_ É verdade. Eu bem que gostaria de sentar e conversar um pouco. O problema é que vou viajar hoje à tarde e preciso comprar pneus novos. Meu carro tá com os pneus carecas. Você sabe onde posso encontrar pneus mais em conta?
Citei dois supermercados que estavam fazendo promoções de pneus.
_ Nem pensar! Pneu de supermercado não presta. Supermercado só vende porcaria. Eu quero pneu de boa qualidade, Michelin, Fate, Yokohama, Remold.
Achei puro esnobismo. Não faz muito tempo, comprava pneu usado em borracharia. Pneu com meia vida. Será que ele sabe que o pneu Remold é remodelado? O que é que eu tenho a ver com isso? Carro novo, pneus novos. Quer dizer, carro novo vírgula. Carro de segunda mão bem conservado. Deixa prá lá.
Ele continuava de pé. Um detalhe curioso é que no quartel nos tratamos sempre no diminutivo independente da estatura de cada um. Pedrinho, Mazinho, Paulinho, Veierinha e etc, exceto ele. Bem que tentamos, mas desistimos. O porte dele não combina com diminutivo.
_ Não vai tomar nenhumazinha, insisti?
_ Só depois que resolver esse abacaxi. Quero ficar despreocupado e não pensar mais em pneus. Quero uma rodagem excelente. Pneus importados!
" Tá fazendo enxame, pensei.Esnobismo mesmo". Se há uma coisa que me deixa fulo da vida é autopromoção. Tive uma idéia e resolvi fazer hora com a cara dele.
_ Posso dar uma sugestão?
_ Claro.
_ Por que você não coloca aquelas rodinhas de trem? O carro se acaba e elas ficam, garanto.
Falei e fiquei esperando o pior: o coice, que veio de imediato.
_ Eu vou colocar é a sua rodinha, disse fazendo um círculo com os dedos polegar e indicador da mão direita.
Como eu já esperava uma resposta semelhante, levei na esportiva e retruquei:
_ Só vai ter preocupações. A minha rodinha já não é tão nova. Passou da garantia e além do mais o aro tá deixando o ar escapar.
Deu meia volta e saiu sem se despedir. Nunca mais apareceu.
o o o o O o o o o
Depois de colocar as compras no carro foi que percebi o problema: a fila enorme de carros
parados. Pedi para minha mulher esperar no carro e fui dar uma olhada. Havia um caminhão de entregas obstruindo a saída do estacionamento. Por quê? Fui adiante. Alguém havia estacionado o carro à esquerda do meio-fio logo na saída do supermercado. " Ah uma jaula", pensei. Resultado, o motorista do furgão não podia ir à frente impedido pelo carro do "animal" e nem podia dar marcha ré devido aos outros carros que havia atrás do seu. E agora, José? Num momento desses nunca há um "azulzinho" por perto que, aliás só sabem aplicar multas, resolver problemas no trânsito, nunca.
As pessoas começaram a ficar aborrecidas e passaram a buzinar. Um ato idiota e inadequado que na realidade não leva à nada. Em pouco tempo o local estava um caos. Um verdadeiro pandemônio. Apesar do barulho irritante das buzinas, ninguém aparecia para resolver o problema.
Voltei ao supermercado e dirigi-me ao sujeito responsável pelo serviço de som.. Expliquei o problema e pedi para ele chamar a atenção do (ou da) motorista inconsequente sobre o seu estacionamento incorreto.
_ Eu já fiz isso várias vezes, ele me disse.
"Será que alguém estacionou o carro ali, naquele local, e foi resolver algum problema em outro lugar?" Tive uma idéia. Pedi o microfone ao sujeito do som e disse:
_ Atenção proprietário do veículo Fiat Palio cinza escuro, placas HVY 7525, dirija-se ao estacionamento. Bateram no seu carro.
Repeti o aviso mais três vezes, devolvi o microfone, saí e retornei ao estacionamento. Não demorou muito, percebi que os carros começaram a se movimentar. O falso alarme surtira efeito rapidamente.
Estava entrando no carro quando vejo aquela mulher enorme, vestida espalhafatosamente, colorida como uma arara - que me perdoem as araras - e gritando tal e qual, gesticulando muito, chamando a atenção de todos e vindo em minha direção. Entendi tudo imediatamente e me preparei. Ficamos frente a frente e antes que ela dissesse mais desaforos ou me agredisse, falei:
_ Precisa desse escândalo todo só porque não bateram no seu carro?
Não esperei resposta. Entrei no carro, dei partida e deixei-a falando sozinha!
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