Sempre gostei de pregar peças nos outros, óbvio. Exceto em meus amigos mais amigos para não "arranhar" o bom relacionamento e em meus superiores, por uma questão de hierarquia, ou quem sabe, talvez o mais provável, com medo de perder o emprego.
Num colégio onde lecionei durante quase dezessete anos - precisamente dezesseis anos e quatro meses - às quartas-feiras, antes do início das aulas, todas as pessoas que se encontravam na escola, do mais simples funcionário ao diretor, além de eventuais pais e demais pessoas estranhas ou não ao ambiente, perfilavam-se no pátio para o hasteamento da Bandeira Brasileira. Como era de praxe, antes cantava-se o Hino Nacional sob o comando da batuta de uma maestrina.
Nós, do segundo grau ,formávamos um grupo de, normalmente, dez professores destacados dos demais, sendo que um deles, mais que meu amigo era também meu superior.
Eu toco violão, além de ser professor. Não sou músico mas tenho uma boa bagagem musical e um ouvido muito exigente. Por isso, sinto-me desconfortável diante de algumas situações: qualquer instrumento desafinado, pessoas que cantam fora do rítmo e/ou atravessam o tempo e pessoas que não conseguem cantar no tom certo. O meu amigo e superior enquadra-se no último grupo. Não canta no tom nem com reza braba ou mandinga de pai de santo.
A cada quarta-feira repetia-se a mesma cena. Nosso grupo e as demais pessoas perfiladas.
" Ouviram do Ipiranga às márgens plácidas..."
O meu amigo com sua voz de tenor desafinado a ferir nossos tímpanos e achando-se o maioral, um verdadeiro Pavaroti, era um tremendo desastre musical. Um atentado sonoro aos nossos ouvidos e aos das pessoas mais próximas. Some-se a isso os erros à letra do Hino Nacional.
Relutei, avaliei prós e contras, medi as possíveis consequências e, finalmente resolvi pregar-lhe uma peça.Combinei com o grupo, que se sentia tão incomodado quanto eu, e preparamos tudo direitinho.
Na quarta-feira seguinte lá estávamos nós. Posicionamo-nos de tal forma a deixá-lo, propositadamente, no centro. Começamos. " Ouviram do Ipiranga às margens plácidas...". Incentivado pela turma ele começou a cantar bastante forte. Diria, até forte demais. Iniciamos a segunda parte. " Deitado eternamente em...". Próximo ao final, e sob meu comando, o grupo silenciou totalmente e ele continuou cantando muito alto e desafinado." Nem temes quem te adora à própria morte...". As pessoas que se encontravam nas proximidades ouviram perfeitamente que meu amigo e superior além de cometer um erro crasso de concordância na letra do Hino Nacional, era mais desafinado do que um peido dentro d'água.
Se a brincadeira teve alguma influência no que aconteceu posteriormente, eu não sei. Mas o certo é que, logo após esse incidente aboliram completamente essa manifestação de patriotismo!
Mossoró, 31 de Dezembro de 2008.
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