Domingo de sol. São 10:00 horas. Está um dia lindo, ideal para qualquer tipo de programa: visitar um amigo, ir à praia - bem que a mulher chamou - ou dar um pulo na casa de algum parente. Ao invés disso, pega o violão, o cavaquinho e um pandeiro e põe tudo no carro. Chama o filho e, quase as escondidas, se mandam.
O filho, conhecendo suas verdadeiras intenções, diz que tem um compromisso e precisa voltar logo.
_ É coisa rápida, diz.
Depois de rodar um pouco, passam por uma praça bem arborizada com um quiosque no centro. Para o carro, observa bem e estaciona. Descem com os instrumentos e encaminham-se para uma mesa localizada embaixo de uma mangueira. Sentam-se. A sombra é uma maravilha. Sopra um ventinho gostoso. Chama o garçom.
_ Pois não senhor?
_Traga, para mim, uma cachaça e uma água de coco pro meu filho.
O garçom traz o pedido. Ele toma a cachaça. Começam a tocar. Ele no violão, o filho no cavaquinho. Alguém pega o pandeiro. Aos poucos, a platéia vai-se formando e surgem os inevitáveis pedidos.
- Toca alguma coisa do Chico; Ataúlfo Alves, diz outro; Noel Rosa, pede alguém; Amado Batista - entreolham-se, sorriem e apagam, mentalmente, esse pedido - Martinho da Vila, fala um moreno cantarolando "Já tive mulheres..."; Mousueto, mais outro. Uma lista sem fim.
A brincadeira segue animada. O filho, sempre que eles dão uma paradinha, lembra que tem um compromisso. Por volta das 14:00 horas, o filho, já impaciente, levanta-se e fala que não pode mais ficar. Ele olha para o filho e diz, quase implorando:
_ Só o potpourri de Nelson Cavaquinho e a saideira.
O filho, não querendo desgostá-lo, mas não podendo mais ficar, devido o compromisso assumido diz, encerrando o assunto:
- Pai você já tomou quatro saideira e potpourri de Nelson Cavaquinho já repetimos duas vezes.
o o O o o
Não gosta de restaurantes. Infelizmente não há como evitá-los totalmente. Não se sente bem num restaurante. Quanto mais elegante o ambiente, menos a vontade ele fica. Tentou de tudo mas não houve como fugir do convite de um casal amigo para jantar.
O restaurante, ele não conhecia - aliás conhecia pouquíssimos - era elegantíssimo. Ao chegar começou a ficar sem jeito. Quando o manobrista veio pedir-lhe a chave para estacionar o carro, começou a tremer. Não estava bem. Segurou a mão da esposa como se gritasse SOCORRO. Ela apertou-lhe a mão. Ganhou mais confiança. Entraram e dirigiram-se a um local com pouca luminosidade. "Que bom! Assim não não sou notado. Qualquer rata, ninguém vê" pensou. Sentaram-se e começaram a conversar. Passado certo tempo, estava mais tranquilo e, consequentemente, mais a vontade. O amigo pediu whisky - cachaça naquele ambiente, nem pensar - para eles e coquetel para as esposas. Junto com as bebidas veio o courvert. Ele, que já havia tomado algumas doses de pinga antes de sair de casa, olhou e viu aquelas coisas arredondadas, "ovos de codorna", disse mentalmente. Tomou um gole de whisky, espetou um "ovo de codorna", levou-o à boca e só então percebeu que era, na realidade, uma bolinha de manteiga. E agora? Fazer o que? Engolir, óbvio. Ficou mudo. Os olhos enceram-se de lágrimas. Fez um esforço sobre humano para não vomitar. Aos poucos a manteiga foi derretendo e ele engoliu. Esperou o pior, não aconteceu. Deu graças a Deus. Tomou outro gole de whisky. Olhou para trás e lá estava ele, o maitre, imóvel como uma múmia, sorrindo discretamente. Perdeu o bom humor e o resto da noite.
sábado, 26 de julho de 2008
terça-feira, 22 de julho de 2008
Flagrantes da Vida Real
Sofreu um acidente e fraturou o braço direito em três locais. Além das fraturas houve também desligamento do tendão. Submetido a uma cirurgia, foi necessário colocar uma haste. Passou a usar uma tipóia. Quarenta dias depois, já realizando algumas atividades simples, resolveu ir, sozinho, ao supermercado. A esposa, conhecedora da sua instabilidade emocional, não concordou. O fato dele perder, facilmente, o controle com perguntas e atitudes bobas - que ele chama de imbecis - e comportamento anti ético, sempre foi motivo de preocupação para ela. Nesses casos, responde de forma grosseira e é extremamente sarcástico. " Perguntas imbecis merecem respostas cretinas," diz.
_ Querido eu tenho medo que você magoe o braço e perca a paciência com alguém.
_ Isso não vai acontecer, eu lhe garanto. Além de estar preparado psicologicamente, vou colocar a tipóia. Não se preocupe. Pode ficar tranquila.
Colocou a tipóia a fim de prevenir esbarrões - em casa já não usava mais - e lá se foi. Teve sérias dificuldades para dirigir. Com o braço direito trocava as marchas e apoiava a direção, apenas. O braço esquerdo ficou responsável por quase tudo. Apesar dos movimentos lentos, dolorosos e imprecisos, achou uma maravilha sair de casa sem alguém ao lado. Queria mesmo era dar uma volta, ver gente, conversar com pessoas diferentes.
No supermercado, após apanhar algumas coisas banais: biscoitos, iogurte, requeijão e presunto, ia empurrando um carrinho de pequenas compras cuidadosa e vagarosamente com o braço são, quando, de repente, uma senhora,atendendo o celular distraidamente, com o carro abarrotado de compras esbarra no seu. Devido ao choque ele bateu com o braço quebrado numa prateleira. Sentiu uma dor insuportável. Teve uma vontade enorme de dizer mil palavrões. Pensou na esposa, respirou fundo e controlou-se. Olharam-se. Ela guardou o celular e não disse nada. Ele, encarando-a, disse:
_ Desculpe senhora.
_ Desculpe por que? Ela perguntou.
_ Por eu ser cego e estar no seu caminho, disse sorrindo sarcasticamente e dirigiu-se ao caixa.
o o O o o
Foi ao shoping com a esposa. Lá separaram-se. Ele estava precisando de calçados e entrou numa sapataria. Disse para ela que iria demorar um pouco.
_ Você pode resolver suas coisas que quando eu terminar vou esperá-la aqui mesmo.
Ficou na sapataria e ela saiu. Ia fazer pagamentos, comprar roupa e sapatos para ela e os filhos e algumas coisas para a casa.
Depois de um certo tempo, ela retorna e, ao vê-lo numa fila quilométrica, pergunta:
_ Você comprou os sapatos, querido?
Imediatamente ele respondeu, em um tom de voz perfeitamente audível pelas pessoas que se encontravam nas proximidades:
_ Não, não. Eu estou aqui por que adoro ficar na fila.
_ Querido eu tenho medo que você magoe o braço e perca a paciência com alguém.
_ Isso não vai acontecer, eu lhe garanto. Além de estar preparado psicologicamente, vou colocar a tipóia. Não se preocupe. Pode ficar tranquila.
Colocou a tipóia a fim de prevenir esbarrões - em casa já não usava mais - e lá se foi. Teve sérias dificuldades para dirigir. Com o braço direito trocava as marchas e apoiava a direção, apenas. O braço esquerdo ficou responsável por quase tudo. Apesar dos movimentos lentos, dolorosos e imprecisos, achou uma maravilha sair de casa sem alguém ao lado. Queria mesmo era dar uma volta, ver gente, conversar com pessoas diferentes.
No supermercado, após apanhar algumas coisas banais: biscoitos, iogurte, requeijão e presunto, ia empurrando um carrinho de pequenas compras cuidadosa e vagarosamente com o braço são, quando, de repente, uma senhora,atendendo o celular distraidamente, com o carro abarrotado de compras esbarra no seu. Devido ao choque ele bateu com o braço quebrado numa prateleira. Sentiu uma dor insuportável. Teve uma vontade enorme de dizer mil palavrões. Pensou na esposa, respirou fundo e controlou-se. Olharam-se. Ela guardou o celular e não disse nada. Ele, encarando-a, disse:
_ Desculpe senhora.
_ Desculpe por que? Ela perguntou.
_ Por eu ser cego e estar no seu caminho, disse sorrindo sarcasticamente e dirigiu-se ao caixa.
o o O o o
Foi ao shoping com a esposa. Lá separaram-se. Ele estava precisando de calçados e entrou numa sapataria. Disse para ela que iria demorar um pouco.
_ Você pode resolver suas coisas que quando eu terminar vou esperá-la aqui mesmo.
Ficou na sapataria e ela saiu. Ia fazer pagamentos, comprar roupa e sapatos para ela e os filhos e algumas coisas para a casa.
Depois de um certo tempo, ela retorna e, ao vê-lo numa fila quilométrica, pergunta:
_ Você comprou os sapatos, querido?
Imediatamente ele respondeu, em um tom de voz perfeitamente audível pelas pessoas que se encontravam nas proximidades:
_ Não, não. Eu estou aqui por que adoro ficar na fila.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Fotos
Conversava com um amigo quando veio à baila o tema fotografia. Disse que gostava muito de fotografar e perguntou ao amigo se gostaria de ver algumas fotos. Ele respondeu que sim. Apanhou um número considerável de fotografias e entregou-lhe. Enquanto conversavam o amigo olhava as fotos e fazia comentários. Quando terminou de vê-las, disse:
_ Quase não há fotos de pessoas. Por quê? Você não gosta de fotografar gente?
_ Não é bem uma questão de gostar ou não gostar, respondeu. O problema é que fotos de pessoas não são verdadeiras. Eu gosto de fotos que expressam verdades. Com pessoas isso é quase impossível. Por isso não saio por aí a fotografá-las.
_ Você pode ser mais explícito, perguntou-lhe o amigo.
_ Claro, respondeu. As únicas fotos autênticas de pessoas são aquelas feitas quando elas não percebem. Essas são verdadeiras. Não há preparação, nem arranjo, nem pose. Você clica e pronto.Entendeu?
_ Entendi perfeitamente, respondeu. Entretanto, não concordo plenamente com você. Há pessoas que se deixam fotografar naturalmente.
_ Só se estiverem mortas! De outra maneira não há como. As pessoas preparam-se até para tirar fotos 3 x 4. Não, não gosto de fotografar gente.
_ O que você me diz de recém-nascidos, pessoas especiais e doentes?
_ Concordo com você. Nesses casos é possível fazer fotos bem reais se não houver alguém da família por perto. Caso contrário, há sempre um arranjo daqui, outro dali.
_ Você não está sendo radical?
_ Talvez esteja. Mas a verdade é que gosto de fotografar a natureza: plantas, animais - irracionais, óbvio - e lugares. Esses permitem-me fotografá-los como realmente são. Com pessoas isso não acontece. Fotografar crianças pequenas é muito difícil. Os pais tentam, ajeitam, adulam, agradam com doces e brinquedos, até ameaçam, as vezes, mas não há solução. Ao final se as fotos não saem de boa qualidade a culpa é do fotógrafo; quando crescem um pouco, elas próprias fazem poses e ficam com cara de bobas; os adolescentes posam sempre como se fossem manequins, coitados; as mulheres têm sempre que retocar a maquiagem, ajeitar os cabelos e complementam com um sorriso que vai de uma orelha a outra; os homens de meia idade são ridículos: encolhem a barriga, estufam o peito e disfarçam com um sorriso amarelo " a la Clarke Gable"; fotografar noivos é um martírio. Que coisa cansativa! Poses e mais poses ensaiadas. Nada real, nada autêntico.
_ Continuo achando que você está sendo extremista, disse o amigo.
Ele continuou com seus argumentos.
_ Com a natureza nada disso acontece. Se você fotografa uma montanha, um rio, uma flor ou uma fera não há ensaios, a não ser do fotógrafo. No final as fotos mostram realmente o que são: uma montanha, um rio, uma flor e uma fera. Não há disfarces. Por isso gosto de fotografá-los. Pela autenticidade, originalidade, naturalidade. Isso não acontece com humanos, concluiu.
_ Sei não, disse o amigo. Penso diferente. Vejamos por esse outro ângulo. A montanha modifica-se à cada estação do ano, tem portanto, o visual alterado; o rio muda, naturalmente, a cada segundo. Nunca é o mesmo; a flor, tão bela no momento da fotografia, tem vida efémera - a maioria - e logo estará murcha, diferente; e, a fera, tão agressiva, torna-se dócil após saciada a fome. Portanto, considerando o que você falou sobre pessoas e analisando as coisas sob o meu ponte de vista, podemos concluir que não há - não importa o reino - fotos verdadeiras. Há sim o momento verdadeiro de cada foto. O que você me diz?
_ Vendo as coisas sob esse aspecto, acho que você tem razão. Não havia pensado dessa maneira. Parabéns pelo raciocínio. Todavia vou continuar sem gostar de fotografar pessoas.
_ Quase não há fotos de pessoas. Por quê? Você não gosta de fotografar gente?
_ Não é bem uma questão de gostar ou não gostar, respondeu. O problema é que fotos de pessoas não são verdadeiras. Eu gosto de fotos que expressam verdades. Com pessoas isso é quase impossível. Por isso não saio por aí a fotografá-las.
_ Você pode ser mais explícito, perguntou-lhe o amigo.
_ Claro, respondeu. As únicas fotos autênticas de pessoas são aquelas feitas quando elas não percebem. Essas são verdadeiras. Não há preparação, nem arranjo, nem pose. Você clica e pronto.Entendeu?
_ Entendi perfeitamente, respondeu. Entretanto, não concordo plenamente com você. Há pessoas que se deixam fotografar naturalmente.
_ Só se estiverem mortas! De outra maneira não há como. As pessoas preparam-se até para tirar fotos 3 x 4. Não, não gosto de fotografar gente.
_ O que você me diz de recém-nascidos, pessoas especiais e doentes?
_ Concordo com você. Nesses casos é possível fazer fotos bem reais se não houver alguém da família por perto. Caso contrário, há sempre um arranjo daqui, outro dali.
_ Você não está sendo radical?
_ Talvez esteja. Mas a verdade é que gosto de fotografar a natureza: plantas, animais - irracionais, óbvio - e lugares. Esses permitem-me fotografá-los como realmente são. Com pessoas isso não acontece. Fotografar crianças pequenas é muito difícil. Os pais tentam, ajeitam, adulam, agradam com doces e brinquedos, até ameaçam, as vezes, mas não há solução. Ao final se as fotos não saem de boa qualidade a culpa é do fotógrafo; quando crescem um pouco, elas próprias fazem poses e ficam com cara de bobas; os adolescentes posam sempre como se fossem manequins, coitados; as mulheres têm sempre que retocar a maquiagem, ajeitar os cabelos e complementam com um sorriso que vai de uma orelha a outra; os homens de meia idade são ridículos: encolhem a barriga, estufam o peito e disfarçam com um sorriso amarelo " a la Clarke Gable"; fotografar noivos é um martírio. Que coisa cansativa! Poses e mais poses ensaiadas. Nada real, nada autêntico.
_ Continuo achando que você está sendo extremista, disse o amigo.
Ele continuou com seus argumentos.
_ Com a natureza nada disso acontece. Se você fotografa uma montanha, um rio, uma flor ou uma fera não há ensaios, a não ser do fotógrafo. No final as fotos mostram realmente o que são: uma montanha, um rio, uma flor e uma fera. Não há disfarces. Por isso gosto de fotografá-los. Pela autenticidade, originalidade, naturalidade. Isso não acontece com humanos, concluiu.
_ Sei não, disse o amigo. Penso diferente. Vejamos por esse outro ângulo. A montanha modifica-se à cada estação do ano, tem portanto, o visual alterado; o rio muda, naturalmente, a cada segundo. Nunca é o mesmo; a flor, tão bela no momento da fotografia, tem vida efémera - a maioria - e logo estará murcha, diferente; e, a fera, tão agressiva, torna-se dócil após saciada a fome. Portanto, considerando o que você falou sobre pessoas e analisando as coisas sob o meu ponte de vista, podemos concluir que não há - não importa o reino - fotos verdadeiras. Há sim o momento verdadeiro de cada foto. O que você me diz?
_ Vendo as coisas sob esse aspecto, acho que você tem razão. Não havia pensado dessa maneira. Parabéns pelo raciocínio. Todavia vou continuar sem gostar de fotografar pessoas.
quinta-feira, 3 de julho de 2008
De Bar Em Bar I
Entra no restaurante, senta, pega o cardápio e dá uma olhada. Não há cachaça na relação dos drinks. O garçom aproxima-se.
_ Pois não, senhor...?
_ Astrogildo.
_ Pois não, senhor Astrogildo. O que deseja?
_ Não vi cachaça na relação. Vocês não servem cachaça?
_ Não, não servimos senhor.
_ Por quê?
_ Ordem da casa senhor. Servimos caipirinha.
Olhou novamente o cardápio. Lá estavam: cuba libre, caipirinha, caipiroska...Caipiroska? Caipirinha de vodka! Como é que pode? Caipirinha é um drink genuinamente brasileiro. Verde-amarelo. Tupiniquim! Por que a vodka, então? Não dá prá entender. Por que descaracterizar algo tão nosso? Pro inferno essa mania miserável de bajular estrangeiros! Teve vontade de levantar-se e sair. Não gosta de caipirinha, prefere a cachaça pura. Pensa um pouco e pergunta:
_ Vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
_ Senhor eu tenho que consultar o maitre.
O garçom retira-se e logo em seguida volta acompanhado do maitre, um sujeito alto, elegante que dirige-se a ele:
_ Pois não, senhor Astrogildo?
_ Eu gostaria de saber se vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
O maitre, muito educadamente, responde:
_ É claro. Servimos sim.
_ Então traga-me uma caipirinha sem açúcar, sem limão e sem gelo!
o o o O o o o
Adora barzinhos e botecos. Restaurantes, não! Vai a restaurantes por uma questão sócio-cultural e familiar. Por vontade própria, nunca! No restaurante sente-se um peixe fora d'água. Todo aquele aparato deixa-o inquieto, sem graça. Garçons impecavelmente vestidos, maitre, mesas com toalhas limpinhas, cadeiras. Haja cadeiras! Em alguns restaurantes passar entre elas é trabalho para contorcionista. Não! Nada disso é condizente com o seu modo de vida. Não fica a vontade. A vontade mesmo só em bares e/ou botecos. Quando um amigo fala de um novo restaurante, elogiando a qualidade do serviço e da comida, ele fica a pensar no novo boteco que encontrou. Na realidade ele é um caçador de botecos. Ultimamente, devido à crescente onda de violência, suas idas a bairros novos à procura de botecos diminuiu bastante.
Outro dia teve um momento de glória. Passando, ocasionalmente, por uma rua desconhecida ele o viu. O coração acelerou. Estava bem ali! Uma maravilha! Azul sua cor preferida. É verdade que o azul não era muito agradável - a la caixão de anjo - mas era azul. Aproximou-se observando os detalhes. Estreito, tinha apenas uma porta, sem janelas. Na parade, duas placas: uma de Ypióca e a outra de guaraná Antarctica - que é puro e natural - ambas bastante gastas pelo tempo. Entrou. Que beleza de boteco! Pequeno. Pequeno não, mínimo! Apenas uma mesa com dois tamboretes ocupados por indivíduos jogando dominó. Uma prateleira com as bebidas: cachaça, conhaque, rom, vodka e vinho. Apenas um litro de cada. Nenhum lacrado. Havia alguns refrigerantes. Não tinha geladeira. O balcão de cimento batido - manchado sabe lá Deus de que - tinha, de um lado uma portinhola daquelas que abrem para cima e do outro uma bandeja de alumínio com copos americanos virados de boca para baixo. " Perfeito ", pensou. Por trás do balcão, o dono - de bermuda e sem camisa - e por trás dele uma mesinha com gaveta e sobre ela um pires com pedaços de limão e laranja. Na parede frontal havia três quadro: um do Menino Jesus no centro, a direita um de São Francisco do Canindé e a esquerda um de Padre Cícero.
Encostou-se no balcão e pediu uma cachaça. Tomou e chupou um pedaço, seco, de laranja. Pediu outra. Na paraede à sua direita tinha um retrato do Flamengo quando fora campeão mundial de clubes. Tomou a segunda dose e puxou assunto. Elogiou o Flamengo - é são paulino - lamentando a má fase do mesmo devido, principalmente, os erros das arbitragens. Esse fato chamou a atenção dos jogadores de dominó que passaram a participar da conversa, que ficou bastante animada. Após a quarta dose pediu a conta. Quando tentou tirar o dinheio do bolso, percebeu que o braço estava colado no balcão. Divino! "Tenho que contar prá turma". Depois de certo esforço, soltou-se, pagou a conta, tomou a saideira por donta da casa e prometeu voltar breve.
_ Pois não, senhor...?
_ Astrogildo.
_ Pois não, senhor Astrogildo. O que deseja?
_ Não vi cachaça na relação. Vocês não servem cachaça?
_ Não, não servimos senhor.
_ Por quê?
_ Ordem da casa senhor. Servimos caipirinha.
Olhou novamente o cardápio. Lá estavam: cuba libre, caipirinha, caipiroska...Caipiroska? Caipirinha de vodka! Como é que pode? Caipirinha é um drink genuinamente brasileiro. Verde-amarelo. Tupiniquim! Por que a vodka, então? Não dá prá entender. Por que descaracterizar algo tão nosso? Pro inferno essa mania miserável de bajular estrangeiros! Teve vontade de levantar-se e sair. Não gosta de caipirinha, prefere a cachaça pura. Pensa um pouco e pergunta:
_ Vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
_ Senhor eu tenho que consultar o maitre.
O garçom retira-se e logo em seguida volta acompanhado do maitre, um sujeito alto, elegante que dirige-se a ele:
_ Pois não, senhor Astrogildo?
_ Eu gostaria de saber se vocês servem a caipirinha ao gosto do freguês?
O maitre, muito educadamente, responde:
_ É claro. Servimos sim.
_ Então traga-me uma caipirinha sem açúcar, sem limão e sem gelo!
o o o O o o o
Adora barzinhos e botecos. Restaurantes, não! Vai a restaurantes por uma questão sócio-cultural e familiar. Por vontade própria, nunca! No restaurante sente-se um peixe fora d'água. Todo aquele aparato deixa-o inquieto, sem graça. Garçons impecavelmente vestidos, maitre, mesas com toalhas limpinhas, cadeiras. Haja cadeiras! Em alguns restaurantes passar entre elas é trabalho para contorcionista. Não! Nada disso é condizente com o seu modo de vida. Não fica a vontade. A vontade mesmo só em bares e/ou botecos. Quando um amigo fala de um novo restaurante, elogiando a qualidade do serviço e da comida, ele fica a pensar no novo boteco que encontrou. Na realidade ele é um caçador de botecos. Ultimamente, devido à crescente onda de violência, suas idas a bairros novos à procura de botecos diminuiu bastante.
Outro dia teve um momento de glória. Passando, ocasionalmente, por uma rua desconhecida ele o viu. O coração acelerou. Estava bem ali! Uma maravilha! Azul sua cor preferida. É verdade que o azul não era muito agradável - a la caixão de anjo - mas era azul. Aproximou-se observando os detalhes. Estreito, tinha apenas uma porta, sem janelas. Na parade, duas placas: uma de Ypióca e a outra de guaraná Antarctica - que é puro e natural - ambas bastante gastas pelo tempo. Entrou. Que beleza de boteco! Pequeno. Pequeno não, mínimo! Apenas uma mesa com dois tamboretes ocupados por indivíduos jogando dominó. Uma prateleira com as bebidas: cachaça, conhaque, rom, vodka e vinho. Apenas um litro de cada. Nenhum lacrado. Havia alguns refrigerantes. Não tinha geladeira. O balcão de cimento batido - manchado sabe lá Deus de que - tinha, de um lado uma portinhola daquelas que abrem para cima e do outro uma bandeja de alumínio com copos americanos virados de boca para baixo. " Perfeito ", pensou. Por trás do balcão, o dono - de bermuda e sem camisa - e por trás dele uma mesinha com gaveta e sobre ela um pires com pedaços de limão e laranja. Na parede frontal havia três quadro: um do Menino Jesus no centro, a direita um de São Francisco do Canindé e a esquerda um de Padre Cícero.
Encostou-se no balcão e pediu uma cachaça. Tomou e chupou um pedaço, seco, de laranja. Pediu outra. Na paraede à sua direita tinha um retrato do Flamengo quando fora campeão mundial de clubes. Tomou a segunda dose e puxou assunto. Elogiou o Flamengo - é são paulino - lamentando a má fase do mesmo devido, principalmente, os erros das arbitragens. Esse fato chamou a atenção dos jogadores de dominó que passaram a participar da conversa, que ficou bastante animada. Após a quarta dose pediu a conta. Quando tentou tirar o dinheio do bolso, percebeu que o braço estava colado no balcão. Divino! "Tenho que contar prá turma". Depois de certo esforço, soltou-se, pagou a conta, tomou a saideira por donta da casa e prometeu voltar breve.
terça-feira, 1 de julho de 2008
O Presente
Recebeu o pacote da filha, abriu e estranhou a embalagem - papel de presente - e o beijo de parabéns.
_ Por quê?
_ E porque não? Qualquer dia é dia de presentear. Disse a filha.
_ Eu sei, eu sei. Mas logo hoje, com parabéns e tudo mais?
_ Hoje é um dia como outro qualquer. Convencionalmente passou a ser chamado de Dia das Mães, só isso pai.
_ Eu sei filha, mesmo assim acho estranho. Você há de convir que não é comum um homem receber presente no Dia das Mães.
_ Lá vem o senhor defendendo ideias ultrapassadas. Deixa de ser machista pai! Me diga por que um homem não pode receber presente no Dia das Mães? Principalmente você que só não fez amamentar.
_ É uma questão de princípios. Eu acho que...
_ Bobagem, pai. Considerando o que você me ensinou, a concepção depende dos dois e, no meu caso específico, que sou mulher, a contribuição cromossômica de vocês foi a mesma, cada um contribuiu com um cromossomo X. Portanto, o conceito de pai e mãe é somente uma questão de gênero.
_ É o seu ponto de vista.
_ Pai nós vivemos numa sociedade moderna onde é comum o homem assumir o papel de mãe e vice-versa
_ Em casos especiais: separação, divórcio, morte de um dos cônjuges...
_ Não necessariamente. Quando um casal mantém um bom relacionamento e divide responsabilidades, a criação dos filhos está implícita, independente do sexo. Lembra quando você me dava banho e me vestia?
_ Bons tempos aqueles! Tenho saudades de tudo. Especialmente das nossas brincadeiras.
_ Eu também. Quer continuar o assunto?
_ Quero. Em relação ao início da vida da criança o papel da mãe é fundamental. A amamentação é muito importante para que o bebê cresça forte e saudável além de aproximá-las afetivamente.
_ Concordo. Você está certo quanto a importância da amamentação para a saúde da criança. Lembre,porém que antigamente em muitas famílias abastadas, isso era feito por uma ama-de-leite quando a mãe não podia ou não queria amamentar, o que ocorria na maioria das vezes. Hoje existem os bancos de leite materno que têm a mesma função. Portanto, importante mesmo são o carinho e a afetividade que não têm sexo.
_ Ainda acho que pai é pai e mãe é mãe.
_ Tipo aquele comercial " onde um pneu é um pneu", não é? Essa sua ideia conservadora está prá lá de ultrapassada.
_ Minha filha quem é que abriga e carrega a criança durante a gravidez?
_ É a mãe claro. Mas pode não ser, obrigatoriamente, a mãe biológica.
_ Você tá se referindo a...
_ Barriga de aluguel, lógico.
_ Sei não. E quanto ao pai, o que você me diz?
_ O pai biológico? Não muita coisa. Você, como professor, sabe melhor do que a maioria das pessoas que os espermatozóides podem ser provenientes de um banco de sêmen.
_ Seus argumentos acabam, simplesmente, com o conceito de família
_ Geneticamente, apenas. Quanto ao lado afetivo, não. Isso é diferente. Em muitos casos de adoção a paternidade genética é desconhecida. Esse fato, entretanto, não impede a felicidade da família formada.
_ Mesmo assim ainda prefiro a criação à moda antiga.
_ Isso é o básico, o ideal. O que você me diz da adoção feita por casais de homossexuais?
_ Não tenho opinião formada.
Era uma forma de fugir ao assunto. Calou-se mas a filha continuou dissertando sobre a igualdade dos papeis do homem e da mulher na sociedade moderna. Apesar de não comungar totalmente com suas teorias, estava encantado - ainda mais - com a filha. Admirava a capacidade com que defendia suas ideias. Era muito convincente, persuasiva. Fechou os olhos, voltou no tempo e reviu aquela linda e irrequieta garotinha sempre nos seus calcanhares a repetir: " Oh Paiê"; " Para pai"; "Pô pai". Foi trazido, novamente, à realidade pela pergunta da filha.
_ Me diga, pelo menos, se gostou do presente
_ É maravilhoso. Estava mesmo querendo ler alguma coisa bacana. Obrigado.
Ficou refletindo sobre a evolução dos tempos e a necessidade de adaptação do homem - independente do sexo - à vida moderna. Todavia, duas dúvidas passaram a martelar sua mente. Como pai teria sido uma boa mãe? No Dia dos Pais receberia alguma coisa de presente?
_ Por quê?
_ E porque não? Qualquer dia é dia de presentear. Disse a filha.
_ Eu sei, eu sei. Mas logo hoje, com parabéns e tudo mais?
_ Hoje é um dia como outro qualquer. Convencionalmente passou a ser chamado de Dia das Mães, só isso pai.
_ Eu sei filha, mesmo assim acho estranho. Você há de convir que não é comum um homem receber presente no Dia das Mães.
_ Lá vem o senhor defendendo ideias ultrapassadas. Deixa de ser machista pai! Me diga por que um homem não pode receber presente no Dia das Mães? Principalmente você que só não fez amamentar.
_ É uma questão de princípios. Eu acho que...
_ Bobagem, pai. Considerando o que você me ensinou, a concepção depende dos dois e, no meu caso específico, que sou mulher, a contribuição cromossômica de vocês foi a mesma, cada um contribuiu com um cromossomo X. Portanto, o conceito de pai e mãe é somente uma questão de gênero.
_ É o seu ponto de vista.
_ Pai nós vivemos numa sociedade moderna onde é comum o homem assumir o papel de mãe e vice-versa
_ Em casos especiais: separação, divórcio, morte de um dos cônjuges...
_ Não necessariamente. Quando um casal mantém um bom relacionamento e divide responsabilidades, a criação dos filhos está implícita, independente do sexo. Lembra quando você me dava banho e me vestia?
_ Bons tempos aqueles! Tenho saudades de tudo. Especialmente das nossas brincadeiras.
_ Eu também. Quer continuar o assunto?
_ Quero. Em relação ao início da vida da criança o papel da mãe é fundamental. A amamentação é muito importante para que o bebê cresça forte e saudável além de aproximá-las afetivamente.
_ Concordo. Você está certo quanto a importância da amamentação para a saúde da criança. Lembre,porém que antigamente em muitas famílias abastadas, isso era feito por uma ama-de-leite quando a mãe não podia ou não queria amamentar, o que ocorria na maioria das vezes. Hoje existem os bancos de leite materno que têm a mesma função. Portanto, importante mesmo são o carinho e a afetividade que não têm sexo.
_ Ainda acho que pai é pai e mãe é mãe.
_ Tipo aquele comercial " onde um pneu é um pneu", não é? Essa sua ideia conservadora está prá lá de ultrapassada.
_ Minha filha quem é que abriga e carrega a criança durante a gravidez?
_ É a mãe claro. Mas pode não ser, obrigatoriamente, a mãe biológica.
_ Você tá se referindo a...
_ Barriga de aluguel, lógico.
_ Sei não. E quanto ao pai, o que você me diz?
_ O pai biológico? Não muita coisa. Você, como professor, sabe melhor do que a maioria das pessoas que os espermatozóides podem ser provenientes de um banco de sêmen.
_ Seus argumentos acabam, simplesmente, com o conceito de família
_ Geneticamente, apenas. Quanto ao lado afetivo, não. Isso é diferente. Em muitos casos de adoção a paternidade genética é desconhecida. Esse fato, entretanto, não impede a felicidade da família formada.
_ Mesmo assim ainda prefiro a criação à moda antiga.
_ Isso é o básico, o ideal. O que você me diz da adoção feita por casais de homossexuais?
_ Não tenho opinião formada.
Era uma forma de fugir ao assunto. Calou-se mas a filha continuou dissertando sobre a igualdade dos papeis do homem e da mulher na sociedade moderna. Apesar de não comungar totalmente com suas teorias, estava encantado - ainda mais - com a filha. Admirava a capacidade com que defendia suas ideias. Era muito convincente, persuasiva. Fechou os olhos, voltou no tempo e reviu aquela linda e irrequieta garotinha sempre nos seus calcanhares a repetir: " Oh Paiê"; " Para pai"; "Pô pai". Foi trazido, novamente, à realidade pela pergunta da filha.
_ Me diga, pelo menos, se gostou do presente
_ É maravilhoso. Estava mesmo querendo ler alguma coisa bacana. Obrigado.
Ficou refletindo sobre a evolução dos tempos e a necessidade de adaptação do homem - independente do sexo - à vida moderna. Todavia, duas dúvidas passaram a martelar sua mente. Como pai teria sido uma boa mãe? No Dia dos Pais receberia alguma coisa de presente?
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