_ Dialetos, outra vez? Disse ela.
_ Pois é, eu pensei em...
_ Nós falamos sobre isso não faz tanto tempo.
_ Pois é, eu só acho que...
_ Você acha mesmo necessário voltarmos a falar nesse assunto?
_ Pois é, caso você não queira...
_ Por mim o assunto tá encerrado.
_ Pois é, se você não quer...
_ Pois é, pois é e pois é! Não, pra mim basta. Não estou a fim de falar sobre neologismo, erros de concordância, modismo linguístico, dialetos, nada, nada mesmo!
Dessa forma ela deu por encerrado o diálogo entre eles. Suas chances de discutir a linguagem utilizada na internet foram para o brejo junto com a vc. Não, essa expressão(?) não pode. Por quê? Porque vc é você e não, vaca. Pois é, vc (agora é você mesmo) está percebendo que a forma pela qual os internautas se comunicam está cada vez mais complicada, né? Além das abreviações há também uma infinidade de figurinhas (aplicativos) que acenam, pulam, riem, soltam beijos, caminham, pedalam, deitam e rolam, literalmente. A tendência é ficar cada dia mais difícil a troca de ideias entre os usuários comuns da internet e os internautas. Se faz necessário, ungentemente, a publicação de um dicionário contendo as abreviações legais - como ocorria com os antigos telegramas: pt(ponto); vg(vírgula) - mais utilizadas por esses indivíduos, a fim de possibilitar, sem maiores incidentes, a comunicação entre eles e os leigos. É importante que o dicionário venha com um anexo das famigeradas figurinhas.
A edição deve ser, preferencialmente, de bolso , devido o preço e para facilitar o manuseio do mesmo, uma vez que o indivíduo terá que conduzí-lo por toda parte.
O sujeito ao receber qualquer mensagem não terá dificuldades. Mete a mão no bolso e retira o
" Nv Dcnr da Lg Prtgs p Intnt c Figs Anxs ", publicado pela Ediouro e adeus complicaçõs. Será uma maravilha. Vai facilitar a vida de grande parte da população. Será um novo best-seller.
Continuou pensando no assunto e lembrou de uma mensagem recebida de um amigo que noticiava a doença de um colega o qual sofrera uma cirurgia. "...ele (boneco andando) +/- mas tá
(outro boneco rindo e levantando os dedos) magro..."
Pois é ( de novo?), você entendeu? Sinceramente, é tão ou mais complicado do que as saudosas cartas enigmáticas, que o indivíduo passava horas ou dias para decifrá-las. Para piorar as coisas, algumas pessoas exageram tanto nas abreviações quanto nas figuras.
Outro detalhe importante é que as abreviações são feitas, muitas vezes, a critério de quem escreve. Assim, uma mesma palavra pode ser abreviada de formas diferentes dificultando ainda mais a compreensão da mensagem.
" Como seria bom ter alguém - pensou - com quem discutir esse assunto". Sua esposa já dormia há bastante tempo. Estava sem sono. Computador? A idéia era tentadora. Entretanto, a possibilidade de receber uma mensagem cifrada não lhe atraía pois talvez tivesse que recorrer a ABIN para decodificá-la. Havia outra possibilidade, seus sonhos serem transformados em pesadelos pelas indesejáveis figurinhas do MSN.Pensando bem o melhor era tentar dormir. O quê? Ah! A tradução da mensagem. Ia esquecendo. "...ele passa mais ou menos mas tá bem magro..." .Boa noite!
sábado, 20 de setembro de 2008
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Lei do Jaque
_ Meu bem, o que que está havendo? Ela perguntou carinhosamente passando a mão nos pelos do tórax dele.
Encontravam-se num motel seminus e ela não conseguia enteder o comportamento dele. Estava estranho, capiongo, pra baixo - em todos os sentidos. Ele permaneceu calado, pensativo, distante. Passado algum tempo, falou:
_ É o nosso relacionamento.
_ O que que há?
_ Não é certo.
_ Por quê?
_ Meu pai me chamou a atenção sobre nosso relacionamento. Com base na lei...
Ela não o deixou concluir.
_ Por que isso agora, nesse momento? De onde seu pai tirou essa idéia se nem me conhece?
_ Meu pai lhe conhece sim. Aliás, vocês se conhecem muito bem. Ontem, quando foi me buscar na faculdade ele lhe viu.
_ Eu também vi ele e não o conheço. Até estranhei o fato dele ser branco e você moreno. Deve ter puxado a sua mãe.
_ Não é nada disso. Você viu o motorista. Meu pai estava no banco de trás. É moreno como eu.
Ele lhe viu , estranhou e não gostou do seu cabelo louro.
_ Não gostou do meu cabelo, e daí? O que é que ele tem contra as louras? Isso é racismo e dá cadeia.
_ Não tem nada de racismo.
_ Então, qual é o problema? Por que o nosso relacionamento não é possível? E nossos planos? E meus sentimentos?
_ Calma. Primeiro não fale nos seus sentimentos. Na realidade são nossos sentimentos. Nossos planos vão por água abaixo porque nosso relacionamento é incestuoso.
_ Como incestuoso?
_ Acontece que meu pai atual, antes de casar com minha mãe, foi casado com a sua. Nós somos irmãos.
_ Quer dizer que seu pai é...
_ Meu padrasto. Ele é meu padrasto e seu pai legítimo. Por isso não gostou da cor do seu cabelo oxigenado. Apesar de não ser meu pai biológico, não concorda com o nosso relacionamento. Ele é muito conservador. Disse que a Igreja não permite nosso relacionamento nem nossa união já que somos irmãos. Disse ainda que você não pode ser nora dele já que é sua filha e que sua mãe não pode ser minha sogra já que é ex-esposa dele. Dorinha, minha irmã, não pode ser sua cunhada já que também é sua irmã. E por último, já que somos irmãos, nossos filhos...
_ Pare. Por favor pare com essa genalogia esdrúxula e incestuosa. E a tal lei que você falou?
_ Lei do Jaque.
_ Lei do Jack. A pronúncia certa é "jeque". Lei do Jack.
_ Não, é lei do Jaque mesmo.
_ Como assim?
_ Quando meu pai quer pedir ou explicar alguma coisa a alguém, sempre usa a lei do " já que". Por exemplo, durante as refeições quando alguém se levanta da mesa ele diz: " Já que você se levantou..." ou " Já que você terminou..." e pede algo. Entendeu?
_ Entendi. Entendi muito bem.
Levantou-se deixando-o na cama e começou a vestir-se.
_ O que que você tá fazendo?
Resolveu pagar na mesma moeda.
_ Já que somos irmãos, nosso relacionamento é impossível, certo?
_ Certo.
_ Já que nosso relacionamento é impossível não é correto ficarmos pelados num motel se não temos nada para fazer aqui.
Acabaram o relacionamento. No início foi muito difícil. Ela sofreu que só couro de pisar fumo. Comeu a pão que o diabo amassou mas não entregou os pontos. Como o tempo é a cura de todos os males, acabou entendendo e aceitando os fatos. Tanto aceitou que passou a utilizar, vez por outra a lei do " já que". Sem ter nem porque, lá estava ela: " já que isso..." ou " já que aquilo..."
Algum tempo depois conheceu, numa balada, um cara que era uma xerox ambulante do seu ex.
Ex o que? Namorado? Irmão? Não interessa. Tentou evitá-lo mas não conseguiu. "Será outro irmão? Creio que não".
Começaram a sair juntos. Após uns seis meses, na véspera de um feriado prolongado, ele ligou convidando-a para ir ao sítio dos pais.
_ Vai ser legal. Só a gente, coisa de família. Algo bem íntimo. Assim nos conhecemos melhor. Não quero forçar a barra. Só se você tiver a fim.
Ela pensou um pouco, lembrou do episódio do motel e respondeu:
_ Claro que quero ir. Mas antes posso fazer uma pergunta indiscreta?
_ Pode sim.
_ Seus pais já foram divorciados?
_ Já. Mas o que isso tem a ver com a viagem?
_ Nada não. Depois eu explico.
_ E aí, tamos certos?
_ Estamos. Mas, já que vamos passar o fim de semana juntos, algo bem íntimo como você mesmo disse, quero que consiga, antes da viagem, duas cópias autenticadas: uma de seu Registro de Nascimento e a outra da Certidão de Casamento dos seus pais!
Encontravam-se num motel seminus e ela não conseguia enteder o comportamento dele. Estava estranho, capiongo, pra baixo - em todos os sentidos. Ele permaneceu calado, pensativo, distante. Passado algum tempo, falou:
_ É o nosso relacionamento.
_ O que que há?
_ Não é certo.
_ Por quê?
_ Meu pai me chamou a atenção sobre nosso relacionamento. Com base na lei...
Ela não o deixou concluir.
_ Por que isso agora, nesse momento? De onde seu pai tirou essa idéia se nem me conhece?
_ Meu pai lhe conhece sim. Aliás, vocês se conhecem muito bem. Ontem, quando foi me buscar na faculdade ele lhe viu.
_ Eu também vi ele e não o conheço. Até estranhei o fato dele ser branco e você moreno. Deve ter puxado a sua mãe.
_ Não é nada disso. Você viu o motorista. Meu pai estava no banco de trás. É moreno como eu.
Ele lhe viu , estranhou e não gostou do seu cabelo louro.
_ Não gostou do meu cabelo, e daí? O que é que ele tem contra as louras? Isso é racismo e dá cadeia.
_ Não tem nada de racismo.
_ Então, qual é o problema? Por que o nosso relacionamento não é possível? E nossos planos? E meus sentimentos?
_ Calma. Primeiro não fale nos seus sentimentos. Na realidade são nossos sentimentos. Nossos planos vão por água abaixo porque nosso relacionamento é incestuoso.
_ Como incestuoso?
_ Acontece que meu pai atual, antes de casar com minha mãe, foi casado com a sua. Nós somos irmãos.
_ Quer dizer que seu pai é...
_ Meu padrasto. Ele é meu padrasto e seu pai legítimo. Por isso não gostou da cor do seu cabelo oxigenado. Apesar de não ser meu pai biológico, não concorda com o nosso relacionamento. Ele é muito conservador. Disse que a Igreja não permite nosso relacionamento nem nossa união já que somos irmãos. Disse ainda que você não pode ser nora dele já que é sua filha e que sua mãe não pode ser minha sogra já que é ex-esposa dele. Dorinha, minha irmã, não pode ser sua cunhada já que também é sua irmã. E por último, já que somos irmãos, nossos filhos...
_ Pare. Por favor pare com essa genalogia esdrúxula e incestuosa. E a tal lei que você falou?
_ Lei do Jaque.
_ Lei do Jack. A pronúncia certa é "jeque". Lei do Jack.
_ Não, é lei do Jaque mesmo.
_ Como assim?
_ Quando meu pai quer pedir ou explicar alguma coisa a alguém, sempre usa a lei do " já que". Por exemplo, durante as refeições quando alguém se levanta da mesa ele diz: " Já que você se levantou..." ou " Já que você terminou..." e pede algo. Entendeu?
_ Entendi. Entendi muito bem.
Levantou-se deixando-o na cama e começou a vestir-se.
_ O que que você tá fazendo?
Resolveu pagar na mesma moeda.
_ Já que somos irmãos, nosso relacionamento é impossível, certo?
_ Certo.
_ Já que nosso relacionamento é impossível não é correto ficarmos pelados num motel se não temos nada para fazer aqui.
Acabaram o relacionamento. No início foi muito difícil. Ela sofreu que só couro de pisar fumo. Comeu a pão que o diabo amassou mas não entregou os pontos. Como o tempo é a cura de todos os males, acabou entendendo e aceitando os fatos. Tanto aceitou que passou a utilizar, vez por outra a lei do " já que". Sem ter nem porque, lá estava ela: " já que isso..." ou " já que aquilo..."
Algum tempo depois conheceu, numa balada, um cara que era uma xerox ambulante do seu ex.
Ex o que? Namorado? Irmão? Não interessa. Tentou evitá-lo mas não conseguiu. "Será outro irmão? Creio que não".
Começaram a sair juntos. Após uns seis meses, na véspera de um feriado prolongado, ele ligou convidando-a para ir ao sítio dos pais.
_ Vai ser legal. Só a gente, coisa de família. Algo bem íntimo. Assim nos conhecemos melhor. Não quero forçar a barra. Só se você tiver a fim.
Ela pensou um pouco, lembrou do episódio do motel e respondeu:
_ Claro que quero ir. Mas antes posso fazer uma pergunta indiscreta?
_ Pode sim.
_ Seus pais já foram divorciados?
_ Já. Mas o que isso tem a ver com a viagem?
_ Nada não. Depois eu explico.
_ E aí, tamos certos?
_ Estamos. Mas, já que vamos passar o fim de semana juntos, algo bem íntimo como você mesmo disse, quero que consiga, antes da viagem, duas cópias autenticadas: uma de seu Registro de Nascimento e a outra da Certidão de Casamento dos seus pais!
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Saara
Estava na casa de um colega do banco que lhe convidara para conhecer a esposa, ver o futebol e tomar umas cervejas.
_ Saara, cheguei querida. Trouxe um colega comigo. Veio ver o jogo.
Não houve resposta. Voltou a chamá-la, falando um pouco mais alto.
_ Saara, cadê você? Cheguei amor.
Dessa vez a resposta veio sob a forma de uma suave melodia. Uma voz linda respondeu delicadamente.
_ Um instante querido. Estou-me trocando. Desço num segundo.
A voz era envolvente, sedutora, gostosa de ouvir. Se tivessem sido contemporâneas, Íris Lettieri jamais teria feito tanto sucesso com seus famosos anúncios: " Atenção senhores passageiros com destino...". Ficou aguardando-a ansiosamente. " Se o corpo fizer jus à voz - pensou com todo respeito - vou ter uma linda companhia para ver o jogo ". Enquanto esperavam ele disse:
_ Carmelo, por que você arrasta o " a " quando diz o nome de sua esposa?
_ Com arrasta o " a "?
_ Você disse duas vezes Saaara.
_ Não. Eu disse Saara.
_ Como é o nome dela: Sara ou Saara?
_ Maria das Dores.
_ Saara é apelido?
_ É sim.
_ Ela não fica chateada?
_ Não, pelo contrário. Ela gosta porque sabe que é uma forma carinhosa de tratá-la.
_ Por que Saara, especificamente?
_ Ela tá descendo depois eu conto.
Quando a mulher entrou na sala ele não conseguiu disfarçar a surpresa. Aguardava uma mulher bonita. Ela, entretanto, tinha uma aparência inesperada, fora do comum. Era mesmo de chamar a atenção. Qualquer vivente observando-a pela primeira vez ficava impressionado.
Levantaram-se. Ela aproximou-se e beijou Carmelo. Ele disse:
_ Saara, esse é Esmerindo um colega do banco que veio ver o jogo com a gente.
Quando ela toucou-lhe a mão, sentiu uma sensação estranha como se tivesse sido atingido por um choque elétrico que se propagou através da medula até atingir o dedão do pé. Ficou, por alguns instantes, parado, mudo, eletrocutado. Por fim falou:
_ Oi, tudo bem? Muito prazer.
_ O prazer é meu. Seja bem vindo, fique a vontade.
Sentiu-se melhor quando ela soltou-lhe a mão. Sentaram-se e ele ficou observando-a de soslaio. Pensando bem, o apelido Saara caía-lhe como uma luva. Ela era magérrima, esquelética, seca, literalmente seca. Seu colega fora muito critérioso na escolha do apelido. A mulher era extremamente magra, anoréxica, caquética! A anorexia conferia-lhe uma aparência doentia. Pensou imediatamente em Bangla-Desh e na Biafra. Lembrou, sem nenhuma maldade, a piada do indivíduo que era tão magro que o pijama só tinha uma lista.
O jogo começou e prendeu-lhe a atenção. Passados alguns minutos, pediram liçença e foram à cozinha. Ficou sozinho a fazer conjecturas. " Como é possível alguém sentir-se bem num corpo assim? Será modismo? Não podia acreditar. Doença, só pode ser doença. AIDS? Não , claro que não. Será por causa das Dores? Pode ser, pode ser. Como alguém pode conviver com uma pessoa com esse aspecto? Será que ela já era assim quando casaram? Carmelo é um sujeito bem parecido, culto, educado podia ter conseguido coisa melhor. Deve ter sido- se é que existe - feitiço, mandinga, despacho ou qualqer coisa assim. Caso contrário, esse é um exemplo concreto de que, na realidade, o amor é verdadeiramente cego. Não devem transar. É isso, convivem juntos mas não transam"!
Retornaram. Ele na frente com as cervejas e ela atrás com duas vasilhas de tamanhos diferentes. _ Essa é a de vocês, disse ela colocando a vasilha maior perto deles, e essa é a minha.
Não entendeu o porque da separação uma vez que ambas tinham o mesmo conteúdo: pipocas. Como advinhando seus pensamentos, complementou:
_ A minha não tem manteiga nem sal.
"Eis um dos motivos", disse mentalmente. Ficaram calados vendo o jogo. A medida que foi-se acostumando com a aparência de Saara,notou que era um pouco vesga e tinha orelhas
enormes que só eram percebidas quando ela ajeitava os cabelos. Não estava se sentindo completamente a vontade. Para piorar a situação o jogo estava péssimo, uma verdadeira pelada.
Resolveu ir embora embora antes do final. Deu graças a Deus quando acabou o primeiro tempo. Pediu desculpas e disse que ia aproveitar o intervalo. Despediu-se de Saara - sem tocá-la - e agardeceu a gentileza.
_ As pipocas estão ótimas.
Carmelo foi com ele até a saída. Quando estava entrando no carro, o amigo falou:
_ Vai embora sem saber o porque do apelido da Saara?
_ Não é necessário explicar. Já entendi.
_ Creio que não.
_ Pode ter certeza que sim.
_ Não é o que você tá pensando. O apelido é devido ao gel que ela usa quando fazemos amor. Ela é frígida.
A resposta dele foi automática.
_ E você é tarado!
Entrou no carro e acelerou!
_ Saara, cheguei querida. Trouxe um colega comigo. Veio ver o jogo.
Não houve resposta. Voltou a chamá-la, falando um pouco mais alto.
_ Saara, cadê você? Cheguei amor.
Dessa vez a resposta veio sob a forma de uma suave melodia. Uma voz linda respondeu delicadamente.
_ Um instante querido. Estou-me trocando. Desço num segundo.
A voz era envolvente, sedutora, gostosa de ouvir. Se tivessem sido contemporâneas, Íris Lettieri jamais teria feito tanto sucesso com seus famosos anúncios: " Atenção senhores passageiros com destino...". Ficou aguardando-a ansiosamente. " Se o corpo fizer jus à voz - pensou com todo respeito - vou ter uma linda companhia para ver o jogo ". Enquanto esperavam ele disse:
_ Carmelo, por que você arrasta o " a " quando diz o nome de sua esposa?
_ Com arrasta o " a "?
_ Você disse duas vezes Saaara.
_ Não. Eu disse Saara.
_ Como é o nome dela: Sara ou Saara?
_ Maria das Dores.
_ Saara é apelido?
_ É sim.
_ Ela não fica chateada?
_ Não, pelo contrário. Ela gosta porque sabe que é uma forma carinhosa de tratá-la.
_ Por que Saara, especificamente?
_ Ela tá descendo depois eu conto.
Quando a mulher entrou na sala ele não conseguiu disfarçar a surpresa. Aguardava uma mulher bonita. Ela, entretanto, tinha uma aparência inesperada, fora do comum. Era mesmo de chamar a atenção. Qualquer vivente observando-a pela primeira vez ficava impressionado.
Levantaram-se. Ela aproximou-se e beijou Carmelo. Ele disse:
_ Saara, esse é Esmerindo um colega do banco que veio ver o jogo com a gente.
Quando ela toucou-lhe a mão, sentiu uma sensação estranha como se tivesse sido atingido por um choque elétrico que se propagou através da medula até atingir o dedão do pé. Ficou, por alguns instantes, parado, mudo, eletrocutado. Por fim falou:
_ Oi, tudo bem? Muito prazer.
_ O prazer é meu. Seja bem vindo, fique a vontade.
Sentiu-se melhor quando ela soltou-lhe a mão. Sentaram-se e ele ficou observando-a de soslaio. Pensando bem, o apelido Saara caía-lhe como uma luva. Ela era magérrima, esquelética, seca, literalmente seca. Seu colega fora muito critérioso na escolha do apelido. A mulher era extremamente magra, anoréxica, caquética! A anorexia conferia-lhe uma aparência doentia. Pensou imediatamente em Bangla-Desh e na Biafra. Lembrou, sem nenhuma maldade, a piada do indivíduo que era tão magro que o pijama só tinha uma lista.
O jogo começou e prendeu-lhe a atenção. Passados alguns minutos, pediram liçença e foram à cozinha. Ficou sozinho a fazer conjecturas. " Como é possível alguém sentir-se bem num corpo assim? Será modismo? Não podia acreditar. Doença, só pode ser doença. AIDS? Não , claro que não. Será por causa das Dores? Pode ser, pode ser. Como alguém pode conviver com uma pessoa com esse aspecto? Será que ela já era assim quando casaram? Carmelo é um sujeito bem parecido, culto, educado podia ter conseguido coisa melhor. Deve ter sido- se é que existe - feitiço, mandinga, despacho ou qualqer coisa assim. Caso contrário, esse é um exemplo concreto de que, na realidade, o amor é verdadeiramente cego. Não devem transar. É isso, convivem juntos mas não transam"!
Retornaram. Ele na frente com as cervejas e ela atrás com duas vasilhas de tamanhos diferentes. _ Essa é a de vocês, disse ela colocando a vasilha maior perto deles, e essa é a minha.
Não entendeu o porque da separação uma vez que ambas tinham o mesmo conteúdo: pipocas. Como advinhando seus pensamentos, complementou:
_ A minha não tem manteiga nem sal.
"Eis um dos motivos", disse mentalmente. Ficaram calados vendo o jogo. A medida que foi-se acostumando com a aparência de Saara,notou que era um pouco vesga e tinha orelhas
enormes que só eram percebidas quando ela ajeitava os cabelos. Não estava se sentindo completamente a vontade. Para piorar a situação o jogo estava péssimo, uma verdadeira pelada.
Resolveu ir embora embora antes do final. Deu graças a Deus quando acabou o primeiro tempo. Pediu desculpas e disse que ia aproveitar o intervalo. Despediu-se de Saara - sem tocá-la - e agardeceu a gentileza.
_ As pipocas estão ótimas.
Carmelo foi com ele até a saída. Quando estava entrando no carro, o amigo falou:
_ Vai embora sem saber o porque do apelido da Saara?
_ Não é necessário explicar. Já entendi.
_ Creio que não.
_ Pode ter certeza que sim.
_ Não é o que você tá pensando. O apelido é devido ao gel que ela usa quando fazemos amor. Ela é frígida.
A resposta dele foi automática.
_ E você é tarado!
Entrou no carro e acelerou!
domingo, 7 de setembro de 2008
7 6 1 4
Tem fixação pela tríplice ocorrência de fatos em geral. Não sabe porque, quando nem como tudo começou. Talvez resulte da sua admiração pela constelação das Três Marias*. Desde muito pequeno foi acostumado, pelo pai, a observá-la. Em noites apropriadas ficavam os dois sentados, contemplando o céu, voltados para o poente a procurá-la. Não é uma tarefa difícil nem requer conhecimentos sobre Astronomia. Basta gostar de apreciar estrelas.
Pode também resultar das penas religiosas imputadas pelo padre após a confissão - como sofreu para decorar o Pai Nosso, o Credo e a Salve Rainha -na qual omitia os pecados mais escabrosos. Os ditos "pecados cabeludos". Na realidade nunca fizera uma verdadeira confissão.
_ Só isso meu filho, indagava o padre.
_ Só "seu pade", respondia sempre.
_ Reze três Pai Nosso e três Ave Maria.
Se, entretanto, alguma vez , tivesse contados todos os pecados cometidos, esse número teria se transformado numa dízima periódica infinita.
O mais provável, porém, é que sua fixação pelo número três seja resultante da tortura psicológica sofrida quando criança para provar que era corajoso. Em noites de lua nova, quando era quase impossível enxergar alguma coisa - não havia energia elétrica no lugarejo - , era feito "o teste". A criança afastava-se, o máximo possível da turma, para um local determinado pelo líder do grupo, ficava de costas e falava bem alto para que todos ouvissem:
_ Vim aqui por uma "posta", não saio sem resposta, macaco preto pule nas minhas costas.
Repetia, pausadamente, três vezes sem titubear. Em seguida voltava lentamente. Não valia correr nem apressar o passo. Se não fizesse direito tinha que repetir tudo ou passava a servir de chacota e era expulso da turma. Três coisas que ninguém queria.
Tornou-se um adulto regido(?) pelo número três. Pensou em procurar um especialista, mas desistiu. " Procurar um analista por causa dessa bobagem? Onde já se viu isso? Deixa de viadagem,cara!" Depois dessa repreensão da sua consciência, resolveu acostumar-se ao fato. Assim, o número três passou a servir de base para seu comportamento.. Não o considera um número fatal ou fatídico. Não é seu número de sorte ou azar. É, simplesmente, um número especial.
_ As coisas ocorrem sempre três a três - diz com frequência - principalmente se forem ruins.
Não é dependente do número, mas tem fixação por ele. Ao acordar repete diariamente: uma ligeira prece à Deus,em seguida faz a barba e por último toma banho. Nunca inverte a ordem. Durante o café da manhã, come uma banana, depois alguma outra coisa, fruta na maioria das vezes, e em seguida toma suco. Também não inverte a ordem para não atrapalhar a digestão.
Superstição? Trauma? Transtorno?Talvez os três.
Quando está dirigindo não desvia a atenção para os lados; conserva uma distância regulamentar
do carro à sua frente; soma os números das placas que vai encontrando -gostou muito quando houve a modificação das placas: três letras ao invés de duas - e tira os noves fora. Se o primeiro resultado for três, o dia será ótimo. Se, todavia o resultado for zero, passa o dia apreensivo. Por quê? Porque zero é noves fora de nove, que resulta, de alguma forma de três vezes três.
Naquele dia começou tudo errado. Acordou tarde - não devia ter ido àquele aniversário na noite anterior - e não fez a barba. Comeu, rapidamente, uma fatia de mamão e tomou suco. Saiu de casa apressado para não chegar atrasado no emprego. Saiu nove minutos - 3 x 3 - depois do horário habitual. O trânsito estava um caos! Tudo por causa de nove minutos. Tentou relaxar. Contou os números da primeira placa: 4725, noves fora zero! "Não há de ser nada, apenas uma coincidência. Vou tomar bastante cuidado." Fez uma prece rápida. O trânsito estava ficando insuportável! Buzinas e mais buzinas! Meu Deus pra que isso? Buzinar nada resolve, ao contrário deixa todo mundo mais nervoso. A buzina, segundo seu ponto de vista, só deve ser utilizada em três situações: fazer um alerta, chamar a atenção de alguém e/ou prevenir algo. Parou por causa de um engarrafamento. Olhou as horas. Tinha apenas dez minutos para chegar ao trabalho. Com esse trânsito ia, certamente, chegar atrasado. Nada podia ser feito. Tentou relaxar novamente. Ali parado, percebeu uma "gostosona" que atravessava a rua na faixa contrária. Como bom brasileiro e apreciador do "produto", esqueceu os problemas e o trânsito. O sujeito atrás dele acionou a buzina desesperadamente como se fosse uma sirene. Teve um susto e tirou os pés do acelerador e da embreagem, o carro que estava engatado - um erro grosseiro - foi de encontro a traseira do carro da frente. Um importado, novinho,novinho. Respirou fundo, contou até dez e desceu para ver o estrago causado. A placa chamou-lhe a atenção: 7614, noves fora ZERO!
*As Três Marias são três estrelas, dentre muitas outras, que constituem a constelação de Órion. Elas formam apenas o cinturão do famoso guerreiro grego, que dá nome a citada constelação.
Pode também resultar das penas religiosas imputadas pelo padre após a confissão - como sofreu para decorar o Pai Nosso, o Credo e a Salve Rainha -na qual omitia os pecados mais escabrosos. Os ditos "pecados cabeludos". Na realidade nunca fizera uma verdadeira confissão.
_ Só isso meu filho, indagava o padre.
_ Só "seu pade", respondia sempre.
_ Reze três Pai Nosso e três Ave Maria.
Se, entretanto, alguma vez , tivesse contados todos os pecados cometidos, esse número teria se transformado numa dízima periódica infinita.
O mais provável, porém, é que sua fixação pelo número três seja resultante da tortura psicológica sofrida quando criança para provar que era corajoso. Em noites de lua nova, quando era quase impossível enxergar alguma coisa - não havia energia elétrica no lugarejo - , era feito "o teste". A criança afastava-se, o máximo possível da turma, para um local determinado pelo líder do grupo, ficava de costas e falava bem alto para que todos ouvissem:
_ Vim aqui por uma "posta", não saio sem resposta, macaco preto pule nas minhas costas.
Repetia, pausadamente, três vezes sem titubear. Em seguida voltava lentamente. Não valia correr nem apressar o passo. Se não fizesse direito tinha que repetir tudo ou passava a servir de chacota e era expulso da turma. Três coisas que ninguém queria.
Tornou-se um adulto regido(?) pelo número três. Pensou em procurar um especialista, mas desistiu. " Procurar um analista por causa dessa bobagem? Onde já se viu isso? Deixa de viadagem,cara!" Depois dessa repreensão da sua consciência, resolveu acostumar-se ao fato. Assim, o número três passou a servir de base para seu comportamento.. Não o considera um número fatal ou fatídico. Não é seu número de sorte ou azar. É, simplesmente, um número especial.
_ As coisas ocorrem sempre três a três - diz com frequência - principalmente se forem ruins.
Não é dependente do número, mas tem fixação por ele. Ao acordar repete diariamente: uma ligeira prece à Deus,em seguida faz a barba e por último toma banho. Nunca inverte a ordem. Durante o café da manhã, come uma banana, depois alguma outra coisa, fruta na maioria das vezes, e em seguida toma suco. Também não inverte a ordem para não atrapalhar a digestão.
Superstição? Trauma? Transtorno?Talvez os três.
Quando está dirigindo não desvia a atenção para os lados; conserva uma distância regulamentar
do carro à sua frente; soma os números das placas que vai encontrando -gostou muito quando houve a modificação das placas: três letras ao invés de duas - e tira os noves fora. Se o primeiro resultado for três, o dia será ótimo. Se, todavia o resultado for zero, passa o dia apreensivo. Por quê? Porque zero é noves fora de nove, que resulta, de alguma forma de três vezes três.
Naquele dia começou tudo errado. Acordou tarde - não devia ter ido àquele aniversário na noite anterior - e não fez a barba. Comeu, rapidamente, uma fatia de mamão e tomou suco. Saiu de casa apressado para não chegar atrasado no emprego. Saiu nove minutos - 3 x 3 - depois do horário habitual. O trânsito estava um caos! Tudo por causa de nove minutos. Tentou relaxar. Contou os números da primeira placa: 4725, noves fora zero! "Não há de ser nada, apenas uma coincidência. Vou tomar bastante cuidado." Fez uma prece rápida. O trânsito estava ficando insuportável! Buzinas e mais buzinas! Meu Deus pra que isso? Buzinar nada resolve, ao contrário deixa todo mundo mais nervoso. A buzina, segundo seu ponto de vista, só deve ser utilizada em três situações: fazer um alerta, chamar a atenção de alguém e/ou prevenir algo. Parou por causa de um engarrafamento. Olhou as horas. Tinha apenas dez minutos para chegar ao trabalho. Com esse trânsito ia, certamente, chegar atrasado. Nada podia ser feito. Tentou relaxar novamente. Ali parado, percebeu uma "gostosona" que atravessava a rua na faixa contrária. Como bom brasileiro e apreciador do "produto", esqueceu os problemas e o trânsito. O sujeito atrás dele acionou a buzina desesperadamente como se fosse uma sirene. Teve um susto e tirou os pés do acelerador e da embreagem, o carro que estava engatado - um erro grosseiro - foi de encontro a traseira do carro da frente. Um importado, novinho,novinho. Respirou fundo, contou até dez e desceu para ver o estrago causado. A placa chamou-lhe a atenção: 7614, noves fora ZERO!
*As Três Marias são três estrelas, dentre muitas outras, que constituem a constelação de Órion. Elas formam apenas o cinturão do famoso guerreiro grego, que dá nome a citada constelação.
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