quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os 16 Degraus - Um Sábado Inesqucível

Quando ele desceu do ônibus, no centro da cidade, sentiu o primeiro aviso: leves contrações intestinais. Coisa rápida. Não deu importância. Era um sábado e as ruas estavam apinhadas de gente. Pessoas indo e vindo em todos os sentidos, todas as direções. Para evitar esbarrões ele caminhava, cuidadosamente, desviando-se das pessoas que vinham em sentido oposto ou que saiam, as vezes abruptamente, de lojas, restaurantes, bares, galerias, etc.Por volta das 11:00 hs, quando já resolvera a maior parte das tarefas do dia, veio o segundo aviso. Dessa vez as contrações foram mais acentuadas. Cólicas intestinais. Lembrou da noite anterior. Muita cerveja e linguiça calabresa. Ficou de sobre aviso e continuou os seus afazeres.Passava do meio dia e restavam apenas duas tarefas a serem realizadas: pagar uma prestação da esposa, na Marisa, e comprar um par de sandálias da Xuxa para a filha, aniversariante, quando ocorreu o terceiro aviso. Cólicas intestinais fortíssimas. Parou e esperou as cólicas desaparecerem, o que não ocorreu. Começou a suar. As cólicas diminuíram de intensidade, mas não pararam. "Tenho que ir ao banheiro, urgentemente".Saiu caminhando pela rua à procura de um local onde encontrar um banheiro. Um banco. Uma grande loja, o banheiro deve ser exclusivo dos funcionários. Café expresso. Outro banco. Loja de calçados. Armarinho. Já caminhava com bastante dificuldade. As pernas praticamente fechadas. Parou um pouco. Respirou fundo, trincou os dentes e concentrou a atenção nos seus esfíncteres anais. Estava completamente molhado de suor. Uma senhora perguntou se ele estava passando mal. Não respondeu. Teve medo de falar e relaxar os esfíncteres, o que seria uma tragédia. Saiu caminhado com muita dificuldade, arrastando os pés, quando viu, no final do quarteirão, uma placa com um anúncio de refrigerante. Um bar, ou um restaurante, pensou. A salvação, enfim! Ao entrar no restaurante, todos ficaram olhando a maneira estranha como ele se deslocava. Chegou ao balcão e perguntou para o sujeito que estava do outro lado:

_ Aqui tem WC?

_WC? O que é isso?

Ignorante! Como Nosso Senhor tem morador burro! Fechou os olhos, respirou fundo. Não vou suportar. Transpirava demais.

_ O sinhô tá bem?

_ Estou, sim. Aqui tem banheiro?

_ Tem mictório.

Mictório? Só mictório?! Não é possível! Meu Deus, eu não suporto mais!

_ Eu preciso de um sanitário.

_ Sanitário não tem. O bar aí em frente tem.

Atravessar essa rua movimentada? Não dá! Eu não vou conseguir. As cólicas estavam insuportáveis. A sensação era de que seu intestino estava se autodestruindo. Suava em bicas. Respirou fundo, contraiu, ao máximo, os músculos das pernas, trincou os dentes e saiu roboticamente do bar.Parou na calçada. Não vou consegiur! Quanto carro! Não vou conseguir! Estava mais incrédulo do que os hebreus diante do Mar Vermelho antes do milagre de Moisés. Não vou consegiur! Não vou... O barulho foi grande. Uma batida de carros. O trânsito parou. O milagre! A abertura das águas. Atravessou o mar.

O garçom estranhou a maneira como ele caminhava em sua direção.

_ Sanitário? Temos sim, é lá em cima, disse apontando a escada.

Uma escada em caracol! "No estado em que me encontro jamais vou conseguir chegar lá em cima". Estava passando mal. "Meu Deus que pecado eu cometi para merecer tamanho castigo? Me ajude. A partir de hoje eu serei seu seguidor mais fervoroso. Eu juro".Aproximou-se da escada e ficou imaginando a melhor maneira - única talvez - de subí-la. Depois de alguns segundos, resolver tentar da forma que lhe pareceu mais adequada, sem dar importância às pessoas que estavam a observá-lo.Apoiou-se na perna esquerda e, contorcendo o corpo, pôs o pé direito no degrau. Repetiu o movimento para o lado esquerdo e subiu o primeiro degrau. Deu certo. Sentiu uma certa euforia. "Vou consegiur!?"Repetiu os movimentos, um verdadeiro ritual. Contorcia-se para a direita e em seguida para a esquerda, em trejeitos semelhantes aos de um gay desfilando em uma passarela. Degrau 2. Continuou. Os movimentos exigiam concentração máxima do pensamento para manter os músculos dos braços, que seguravam o corrimão, das pernas e dos esfíncteres anais contraídos. Degrau 5. Rogou aos céus para não ser atrapalhado por alguém descendo - degrau 7 - ou por algum apressadinho querendo subir. Degrau 8. As cólicas se acentuaram. A camisa estava completamente molhada e tinha um odor desagradável. Degrau 10. Na realidade ela não estava transpirando e sim destilando o álcool ingerido na noite anterior. Degrau 16! "Agora é só empurrar a porta e..." Não deu tempo sentar no sanitário. Quando ele abriu o fecho-eclair e baixou a roupa, aconteceu. Foi algo incontrolável, assim como quando se retira a rolha de uma garrafa de champanhe após balançá-la bastante. Passados os primeiros instantes, o alívio. Entretanto continuou em pé, não havia como sentar, a sujeira era total. Apesar disso, relaxou. Seu drama, porém, ainda não havia terminado, faltava o último ato: não havia papel higiênico. Só restava uma solução, a cueca. Fez o melhor que pode e colocou-a num canto do banheiro. Vestiu-se e saiu do banheiro sem dar descarga. Ela não funcionou, Desceu a escada e saiu do bar sem agradecer, quase correndo com medo do dono subir e ver o que havia ocorrido.Na rua, resolveu voltar para casa caminhando. Apenas oito quilômetros? ! No estado em que se encontrava não dava para apanhar qualquer transporte.No caminho, de volta para casa, preocupado, ia evitando as pessoas, por motivos, óbvios. Sua preocupação maior, entretanto, não era com os outros, mas devido a três motivos: a prestação da esposa que não fora paga; as sandálias da filha que não foram compradas e que ela queria calçar à noite na festa de aniversário; e, na cueca nova que sua esposa lhe dera e que custara uma nota preta!

A esposa compreendeu tudo e confortou-o dizendo que essas coisas podem acontecer com qualquer pessoa. Entretanto, não entendeu por que ele acordou-a, no domingo, as 6:00 hs da manhã para irem a igreja. Logo ele, que a última vez que entrara numa igreja tinha sido, no dia do casamento, há dez anos!

Nenhum comentário: